No dia seguinte despertou com o
pensamento martelando. A ansiedade quase fez com que fosse direto ao computador,
mas não, continuaria aguardando, afinal seriam só mais vinte e quatro horas,
eles estipularam a data.
Depois da sesta, seu impulso era
fazer uma discreta consulta, porém, o
dia já estava na metade, resistiria. Resistiu até à noite mas deitou nervosa prevendo
uma insônia.
Acordou mais cedo do que de
costume. Foi à caixa do correio, encontrou dois ou três folhetos que informavam
sobre a inacreditável promoção feita pelo supermercado que, naquele dia,
venderia bananas a dezenove centavos o quilo, e da loja de colchões oferecendo o super resistente modelo Nimbus,
com molas ensacadas, recobertas pela espuma de resistência quarenta e revestido
por tecido de algodão indiano com elastano que não enrugava, acompanhado do box, com pés de madeira maciça e gavetões
onde poder-se-ia acomodar os lençóis e cobertores confortavelmente, ganhando como
brinde dois travesseiros de espuma da NASA, tudo isso pelo valor simbólico de dois mil e
quatrocentos reais e com a vantagem de, na segunda compra, o cliente receber de
presente um jogo de cama da mais pura malha, do designer Lamberto Meirelles. No final informavam que ela iria se
arrepender muito se não fizesse a compra, pois
nunca mais encontraria promoção igual.
Sentou-se na poltrona, com a
cortina e o vitrô abertos, aproveitando o Sol para fixar a vitamina D, que
repunha há alguns meses, e esperou. O
Sedex passaria logo.
Ao meio dia desistiu da poltrona,
preparou um macarrão instantâneo, que comeu sem prazer algum, abriu uma caixa
de bombons e subiu para o quarto. O relógio já marcava cinco horas quando
despertou, enregelada. Impossível que não houvesse notícia! Haviam
prometido procura-la! Organizou melhor seus pensamentos e chegou à frase mais
adequada: o resultado seria divulgado naquela quinta-feira. Os vencedores
seriam avisados antecipadamente. Conclusão: não era uma das vencedoras. Entrou
no site, e respirou aliviada: por
problemas técnicos fora necessário adiar para sábado a divulgação do resultado.
Sorrindo, fez suas orações e
pediu a Deus que, se ainda desse tempo, Ele a fizesse vencedora. Talvez fosse
sua última chance de receber louros nesta vida. Embora houvesse muita gente na sua
situação, pedindo o mesmo, que Ele olhasse para ela: nunca cometera um
pecado mortal, sempre se mostrara devota e fizera uma bela caminhada pelos
trilhos da espiritualidade. Sabia-se bondosa, generosa, atenta às necessidades
dos outros... mas nada disso lhe trouxera louros e ela os queria, ah, como os
desejava! Ao final da oração ainda explicou a Deus que não era por vaidade,
Ele, que conhece cada fio de nosso cabelo, já saberia disso, dispensável lembra-lo.
Dormiu imediatamente. Ao som do
despertador saltou da cama tão rapidamente que perdeu o equilíbrio ao pisar nos
chinelos. Não era o despertador! A campainha soava, em repetidos toques que,
pela primeira vez, não a irritavam, esperara tanto por eles! Um moto-boy a aguardava no portão com uma
caixa nas mãos. Sentiu vontade de pisar no presente enviado por sua tia. Justo
naquele dia? Que ódio! Nem se alegrou com a echarpe de tricô feita pela
madrinha, a irmã mais velha de sua mãe que, aos 98 anos, ainda estava lúcida e
fazia peças fantásticas com suas agulhas. Já passava das onze quando a
campainha tocou novamente e ela viu a perua do Sedex à sua porta, seria deles?
Já olhara no site e o resultado ainda não fora divulgado.
Olhou para o jovem entregador,
examinou as mãos dele, estendeu as suas para pegar o envelope e percebeu que
adiava a hora da revelação. Antes de assinar conferiu o remetente, e, sim, era
deles. Assinou trêmula, tentou rasgar o plástico resistente mas não conseguiu,
apressadamente subiu os degraus e entrou na casa, enfiou uma faca no envelope
e, abraçou-o ao ler: Srta. Letícia Spinelli, temos o prazer de lhe comunicar
que seu trabalho foi selecionado e, após criterioso exame da comissão composta
pelos senhores fulano, fulano e fulano, foi considerado o melhor, sendo
atribuído a ele o primeiro lugar.
Lágrimas, vontade de contar para
todos, pequenos pulos, por temor de escorregar, embora desejasse dar saltos mortais
e fazer estrela, com as mãos no chão e as pernas para o ar, e o peito cheio de
alegria, de vigor, de vontade de prosseguir, acompanharam-na por todo o dia.
Imprimiu, copiou, colou, arquivou páginas e páginas do computador, com seu nome
e a declaração de que era, efetivamente, a melhor pintora entre os idosos que
competiram. Nunca tivera certeza mas dessa vez, desde o início, soubera que havia
possibilidade de se projetar, tornar-se um nome, ser alguém.
2 comentários:
Saudades Rosa Leda. Imagine que fiquei uma semana corrigindo o texto que vai para a editora e pasme estou ilustrando... Agora vou mostrar para o pessoal e ver se é isso mesmo, se sim a Rosa Bertoldi vai publicar mais um livro!
Uau!!!!!!!!!!!!!! Que legal!
Adorei a informação e já estou curiosíssima. Sucesso!
Ah, se você, xará, quiser ilustrar um livro meu (infantil), talvez consigamos publicá-lo.
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