sábado, 3 de março de 2012

EU VI DE NOVO: MARIA ANTONIETA

Ontem tentando esquecer as reações de uma dose única de homeopatia que me deixou um caco, acabei por rever o filme de Sofia Coppola vaiado no Festival de Cannes. A história não era bem assim, alegaram. A história... nunca é bem assim, mesmo.
Visitei Paris com minha filha e ela voltou encantada com as vitrines das confeitarias. Do bolinho ao bolão... tudo cor de rosa. Sofia transpôs para a tela uma metáfora, a mania francesa pelo doce cor de rosa. Uma alegoria sobre a França e sobre Maria Antonieta Josefa Joana de Habsburgo-Lorena, arquiduquesa da Áustria e rainha da França entre os anos de 1774-89. Foi deposta, e guilhotinada quatro anos depois. A diretora conta corretamente a vida de Versailles intra-muros, mas não mostrou como Antonieta tinha poder de decisão nas questões políticas e sobre o rei Luis XVI. Afinal, a filha da imperatriz da Áustria tinha sido educada para ser rainha. A futilidade da aristocracia local não foi imposta por ela. Aconteceu o contrário: uma moça austera “caindo na real” devido às circunstâncias, e ao modo de vida da corte onde vivia. Sofia se propôs falar de Antonieta e isso ela fez. E para transformar tudo em rosa, nem precisou andar muito, bastou dar uma volta pelos jardins do palácio para chegar a uma das mais famosas confeitarias da França e lá estavam os doces e bolos, tudo cor de rosa!!!!! Achei a idéia formidável, como ninguém havia pensado nisso antes? Tudo tão antigo e ao mesmo tempo tão atual como o tênis All Star, daí o conteúdo do filme ser a superficialidade das sociedades francesa do século XVIII e da pós-moderna.
O que estava acontecendo fora dos muros?
A burguesia ascendente estava ávida pelo poder. Num primeiro momento eles se contentaram em unir-se com a aristocracia através de casamentos. Isso acabou se tornando pouco para eles. Aspiravam ao governo. As monarquias absolutistas estavam com a corda no pescoço. A França detinha metade do dinheiro europeu. Tratava-se de um Estado pobre (o reinado de Luis XVI) dentro de um país rico. Existia uma burguesia endinheirada e uma indústria reclamando de falta de mão de obra qualificada, então, por que os camponeses e o povo das cidades estavam passando fome? Por que em vez de enviar dinheiro para os americanos fazerem sua revolução, não tiveram a ideia de distribuir pão aos franceses, em vez de brioche? Por que a rainha não se defendeu das tolas acusações? Nesse contexto aconteceu uma revolução alterando o quadro político e social do mundo. Na França era o princípio de uma época de convulsões resultando em república, ditadura, monarquia e dois impérios. Os motins culminaram com a tomada da Bastilha, onde estavam sete presos, um deles o marquês de Sade.
Em relação à Antonieta havia a antipatia dos franceses pelos austríacos, embora a família Habsburgo seja uma das mais tradicionais e ricas da Europa. Ao mesmo tempo, o príncipe e cardeal de Rohan, capelão real e prior da Sorbonne estava apaixonado pela rainha. Sua mãe Maria Teresa denunciara Rohan por sua vida dissoluta e gastos. Ele perdera o cargo de embaixador da Áustria. Dizem que era vaidoso e imbecil. Acreditava ser correspondido pela rainha, em sua paixão. Aproveitando-se disso, o casal Jeanne de Valois e Caglioto, convenceu-o a comprar um colar avaliado em milhões para Antonieta. Os aventureiros foram ajudados na trama por uma prostituta parecida com a rainha. O grupo pedia dinheiro emprestado de Rohan dizendo ser para ela pagar a tal jóia. Quando o escândalo veio à tona o rei mandou prender umas quinze pessoas, colocando o Parlamento para julgar o caso. Antonieta era inocente, mas as injurias e intrigas fervilhavam contra ela. Rohan pertencia a um clã influente e os inimigos de Antonieta se aproveitaram para humilhá-la na corte. A Sorbonne, pasmem, posicionou-se a favor dele, que acabou sendo inocentado. Havia ainda a questão do adultério. Quem era Hans Axel Fersen?
Filho de um senador sueco, aos 15 anos foi enviado a uma universidade alemã para aprender ciência militar, depois permaneceu na Itália onde estudou medicina e música. Aos 18 anos, chegou a Paris. De porte musculoso e aspecto viril, tinha um rosto regular complementado por olhos azuis e boca sensual. Possuía coração de fogo por baixo da aparência de gelo, diziam os freqüentadores da sociedade e da corte parisienses.
Em um baile à fantasia conheceu uma jovem de elegância excepcional com quem teve uma conversa galante. De repente, damas e cavalheiros fizeram um circulo em volta deles, com a intenção de protegê-la. A desconhecida tirou a máscara e para sua surpresa estava frente a frente com a delfina. Antonieta havia fugido do palácio para ir à festa e escolhera o jovem para uma brincadeira. Desde esse encontro uniu-os uma terna simpatia. Quando ela subiu ao trono, Fersen voltou à Suécia retornando quatro anos depois, sendo recebido pela rainha de maneira carinhosa. Ambos estavam com 22 anos. Como ela era casada desde os 15 anos e continuava virgem, corriam boatos de que Luís XVI era impotente. Não demorou e a amizade transformou-se em maledicência.
O jovem partiu para evitar danos à rainha. Após esse exílio voluntário voltou a Versailles para ficar. Antonieta e Axel se amavam e decidiram viver essa paixão. Mesmo assim, fizeram de tudo para conservar escondida do mundo essa afeição. Além de seus amigos íntimos, três testemunhas tinham conhecimento da situação: Talleyrand, a eminência parda do governo; Saint-Priest, um ministro do delfim e Bonaparte. Recentemente encontrou-se uma carta de Antonieta para Axel. Nela pode-se ler “adeus, a ti o mais amante e o mais amado dos homens...” Uma única linha ressuscitada atestando o sentimento de ambos, pois a história confirma: Fersen permaneceu ao lado dela durante sua prisão até ser decapitada. Viva a república, a igualdade, a liberdade e a fraternidade! Pena o lema não ter sido posto em prática e a tal da república durado tão pouco... Após seis anos a França tornou-se de novo uma monarquia, agora com Napoleão, tendo ao lado Josefina, uma mulher que vai fomentar muitas intrigas na corte mais sofisticada da época.
No Congresso de Rastatt, Fersen representando a Suécia, é vetado pelo imperador. “Não quero tratar com ele”. Em tom de desafio Bonaparte completou: “dormiu com a rainha.” Qual foi à atitude dele? Calou-se. O silêncio era mais eloqüente que qualquer palavra. Maria Antonieta não precisava de um defensor. Uma mulher é mais digna de admiração quando íntegra e livre obedece aos seus sentimentos e uma rainha é mais soberana ao agir com humana sinceridade.

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