quarta-feira, 28 de maio de 2014

Por que o Haiti está aqui?

Por Laís Azeredo Alves*, no Gusmão
A vinda de centenas de haitianos do Acre para São Paulo, nas últimas semanas, gerou tensões sobre a questão da imigração na cidade e no país. As discussões envolvendo os políticos dos dois estados com acusações de racismo e irresponsabilidade não serviram para uma compreensão plena da situação, muito menos para sua solução. O governo federal, por sua vez, permanece concedendo vistos humanitários para os haitianos que chegam, mesmo na ausência de uma política nacional para as migrações que reflita as necessidades atuais.
Em janeiro de 2010, um terremoto de sete graus atingiu a região de Porto Príncipe, capital do país mais pobre das Américas. A tragédia levou à morte mais de 300 mil pessoas e forçou outras 1,5 milhão ao deslocamento nacional e internacional.  Em 2012, um furacão atingiu novamente o Haiti, causando mais destruição e miséria em um país cuja vulnerabilidade ambiental é reforçada pela frágil economia, pela política instável e por números de pobreza absurdos.
O Haiti tem sua história marcada pela violência nas lutas pela independência e pela vitória de ter sido o primeiro país do continente americano a alcançá-la, em 1804, pelas mãos de líderes negros. A independência, todavia, não cessou outros inúmeros problemas enfrentados pelo país, como a instabilidade política e a luta de grupos pelo poder. Assim, a situação econômica como país periférico tampouco foi modificada.
Entre 1915 e 1934, os Estados Unidos intervieram militarmente para defender seus interesses. Nos anos seguintes, a instabilidade política, com a disputa política entre diferentes grupos que gerava violência, legitimou mais intervenções externas no país. Foram totalizadas cinco intervenções internacionais sob os auspícios da Organização das Nações Unida (ONU) só na década de 1990[1].
Desde 2004, o Brasil lidera uma força multinacional da ONU no país, denominada Minustah – Mission des Nations Unies pour la Stabilization en Haiti (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). A função da Minustah é de ajudar na reconstrução e na estabilização do Haiti, por meio da reestruturação e reforma da polícia haitiana, do auxílio no Programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração, da restauração do Estado de direito e do restabelecimento da segurança pública no país. Além disso, à missão cabe ainda a proteção aos civis, ao staff da ONU, o apoio aos processos políticos e a garantia do cumprimento dos direitos humanos no país. No entanto, é necessário questionar se o que é colocado no papel se assemelha ao que é posto em prática. Estudos críticos apontam que os verdadeiros objetivos da Minustah estão voltados para um projeto de “recolonização” do país por parte do capital transnacional, e que a ajuda humanitária é uma grande farsa.
A vulnerabilidade do Haiti é geral: inexiste estabilidade política e segurança pública e há crise de alimentos, escassez de água potável, falta de infraestrutura e saneamento básico. Gabriel Godoy, oficial de proteção do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no Brasil afirma que “cerca de 55% dos haitianos viviam com menos de 1,25 dólar por dia, por volta de 58% da população não tinha acesso à água limpa e em 40% dos lares faltava alimentação adequada” [2].
No ano de 2012, ficou mais uma vez comprovada a instabilidade ambiental do país: o furacão Sandy chegou no mês de outubro e provocou inundações em áreas com esgoto a céu aberto, o que, evidentemente, facilitou a transmissão de doenças, como o cólera[3].
Muitos haitianos permanecem no país como deslocados internos. De acordo com a Relief Web (2014) são 172 mil pessoas, até o final de 2013, vivendo em mais de 300 campos pelo país. Serviços básicos nos campos – como acesso à água encanada e saúde básica [4] – não acompanham. Portanto, se medidas de integração local, retorno ou transferência não se intensificarem este ano, um alto número de deslocados corre o risco de continuar vivendo em condições insalubres.
Para evitar essa situação, milhares de haitianos decidem migrar para outras partes do mundo. Países como República Dominicana e Guiana Francesa já faziam parte da rota de destinos frequentes dos haitianos, outros como Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Chile e Argentina também se transformaram em possibilidades para o deslocamento[5]. O Brasil também foi um destino escolhido. A ideia de país em ascensão e hospitaleiro, além da proximidade entre os dois povos que ocorreu com a participação de soldados brasileiros na missão da ONU no Haiti, são alguns fatores explicativos. Outra razão são as parcerias entre o governo, ONGs e empresas brasileiras no Haiti voltadas para o desenvolvimento[6]. Além disso, a partir da crise econômica de 2008, os países desenvolvidos endureceram o controle migratório, dificultando a entrada de imigrantes[7]. É por isso que o Haiti está aqui.
Mas como o Brasil, candidato a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, lida com essa nova realidade de país “em ascensão” e destino de imigrantes que buscam melhores perspectivas de vida?
Um primeiro ponto a ser destacado é que os haitianos não são considerados indivíduos em situação de refúgio porque, de forma geral, não se enquadram nos pré-requisitos estabelecidos pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967, ou seja: indivíduos que sofrem perseguição ou fundado temor de perseguição, violência generalizada e desrespeito aos direitos humanos. No entanto, por se tratar de uma situação inegavelmente calamitosa e diante da ausência de um dispositivo específico que proteja indivíduos forçados a migrar em razão de desastres ambientais, o Brasil optou por um novo mecanismo de acolhida, estabelecido na  Resolução nº 97, de janeiro de 2012: visto por razões humanitárias. Assim, a concessão desses vistos possibilita aos haitianos residir legalmente no país e ter acesso a serviços públicos e ao mercado de trabalho.
As cidades brasileiras que mais receberam imigrantes haitianos foram Tabatinga e Manaus (ambas no Amazonas) e Brasileia e Epitaciolândia (ambas no Acre). O caminho percorrido é, geralmente, semelhante: os haitianos passam por países andinos, como Equador, Colômbia e Peru, até chegar ao Brasil. Em muitos casos contam com a ajuda de atravessadores (também chamados coiotes) que cobram para auxiliar na travessia. Os custos da viagem chegam a três mil dólares e durante o percurso são extorquidos por policiais, roubados e sofrem violência física, como estupros e até assassinatos[8].
A pequena cidade acreana de Brasileia encontrou-se diante de uma situação caótica, sem infraestrutura e sem preparo, e teve que lidar com o alto fluxo de haitianos chegando em seu território. O abrigo disponibilizado pela prefeitura da cidade enfrenta superlotação: com capacidade para até 400 pessoas, mais de 1.240 disputam o espaço exíguo. Sem condições de arcar com os custos dessa situação, com ajuda insuficiente do governo nacional ( cerca de 4,2 milhões de reais foram repassados para os serviços de assistência 1.300.000 milhão para a saúde e o auxílio na documentação, segundo nota oficial do Ministério da Justiça), que ainda parece não assumir sua responsabilidade, e diante da circunstância de calamidade pública causada pela cheia do rio Madeira, que impedia a saída de qualquer pessoa da região, o governo do Acre fechou o abrigo de Brasileia, instalou outro em Rio Branco e encaminhou 2.200 haitianos documentados para o sul e sudeste do país. São Paulo esteve entre os principais destinos

                                                                                                         fonte: outras - palavras.net

domingo, 25 de maio de 2014

Anos platônicos...


“O que está em cima é como o que está embaixo                                                                                    
E o que esta embaixo é como o que está em cima                                                                
Perfazendo o equilíbrio da natureza”

Se Jung acreditava, eu também creio que a astrologia rege a vida dos seres humanos.  De repente alguém falou em ascendente. Pensei em um livro que li nos meus tempos de ativista hippie, no inicio da era de aquário, e lembrei-me dos anos platônicos. Sim, Platão dizia que o mundo fundava-se na natureza do universo. O Timeu fala da ordem do cosmos. O personagem narra aos filósofos Sócrates, Crítias e Hermócrates, como a terra, os astros e os seres vivos surgiram.  Segundo Timeu, o demiurgo criou o mundo empírico a partir de um modelo ideal, ressaltando que essa ação foi a de colocar o caos em ordem.  Pode-se dizer que a astrologia é um campo do saber humano e muitos sistemas filosóficos contribuíram para dar fundamento a essa atividade. Mas, o assunto não era o ascendente? Por que anos platônicos? Acho que pensei em épocas de transição como a nossa. Vou começar do começo... A idade platônica tem 25.920 anos. Nesse tempo, o ponto vernal atravessa as constelações zodiacais por um período de 2.160 anos. Para os leigos esse “curto” espaço de tempo é conhecido como uma era, cuja transição de uma para a seguinte torna-se sempre um momento conturbado.  Platão começou sua retrospecção mais de 10.000 anos atrás, quando o continente de Atlântida submergiu.   Segundo cálculos a catástrofe ocorreu no apogeu da civilização com o sol no signo de leão. Essa posição deu aos seres humanos um excesso de autoconsciência transformada em petulância. Portanto, a destruição veio pela própria hybris/descomedimento do povo e não por vontade de Deus. De modo que a Atlântida aniquilou-se a si mesma.   

A uns 4.000 anos atrás,  a batalha entre a ideologia da era de touro e a de carneiro mostrou a Pérsia em estado de guerra, com Mitra lutando contra esse animal e transformando-se em deus guerreiro na era de carneiro. A memória dessas lutas encontra-se nas touradas da Espanha atual. Carneiro significou o momento mais importante na evolução humana. Em seguida o mundo entrou na era de peixes, a mais espiritualizada de todas, porém essa evolução não se concretizou, transformando o período em fracasso. A impressão foi que os demônios estavam soltos. A juventude seduzida por Netuno produziu um misticismo confuso ajudado por elementos tóxicos ou entorpecentes. De acordo com alguns autores a era de aquário teve inicio em 5 de fevereiro de 1962, da mesma forma que a de peixes não começou com o ano 1 de nossa era. Para os astrólogos isso não corresponde à realidade, pois Cristo nasceu pelo menos cem anos antes... Como não tenho certidão de nascimento, nem cópia de documentos não posso provar. As pesquisas estão baseadas nos Manuscritos do Mar Morto e em material arqueológico. Tudo por causa do tal ascendente. Bem, o do aquariano em questão é Aries, com sol em Virgem. Para quem não sabe o ascendente carrega a tarefa dessa vida tornando-se mais importante do que a posição solar na segunda metade da existência. Então, nesse caso está valendo o revolucionário signo de aquário, com as características da flexibilidade, inteligência e diplomacia. O sol dá a conhecer as aquisições das vidas passadas e a lua informa sobre a vida pregressa, assim como percepções da vida atual, experiências acumuladas no inconsciente. Espero que o próximo pedido de informação não seja um mapa astral, pois sou incapaz de confeccioná-lo e vou ter que apelar para profissionais. Socorro! O Baptista vai querer me internar... não é Rosa Leda?        


sexta-feira, 23 de maio de 2014

A gente pensa que está comendo bem mas...



Quase um terço dos vegetais mais consumidos pelos brasileiros apresentam resíduos de agrotóxicos em níveis inaceitáveis, de acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O que vem do campo pode não ter apenas nutrientes, mas também resíduos dos produtos usados para proteger as plantações. Agrotóxico em excesso ninguém quer.
A ingestão de comida com excesso de agrotóxicos de forma prolongada pode causar problemas neurológicos e malformação fetal. Pesquisas recentes mostram a relação da exposição a essas substâncias com doenças do sistema nervoso.
Em 2010, a Academia Americana de Pediatria fez uma pesquisa com 1.100 crianças e constatou que as 119 que apresentaram transtorno de déficit de atenção tinham resíduo de organofosforado (molécula usada em agrotóxicos) na urina acima da média de outras crianças. Em 2010, foi usado 1 milhão de toneladas de agrotóxicos em lavouras do país. Ou seja, 5 kg por brasileiro.
Veja baixo a quantidade em porcentagem que cada alimento contém de contaminação.
1 Pimentão 91,8%
2 Morango 63,4%
3 Pepino 57,4%
4 Alface 54,2%
5 Cenoura 49,6%
6 Abacaxi 32,8%
7 Beterraba 32,6%
8 Couve 31,9%
9 Mamão 30,4%
10 Tomate 16,3%
11 Laranja 12,2%
12 Maçã 8,9%
13 Arroz 7,4%
14 Feijão 6,5%
15 Repolho 6,3%
16 Manga 4%
17 Cebola 3,1%
18 Batata 0%
Eu adoraria publicar só coisas otimistas mas a conscientização talvez prolongue nossa vida por alguns anos.

PS- Camilla, quem falou da ala jovem foi a Rosa Bertoldi e não a Leda Bertolli(rsss)



quinta-feira, 22 de maio de 2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

INVEJA DE QUE?

Quem melhor definiu o clima de mal-estar que assola Bauru vez ou outra, foi um conhecido radialista ao falar em uma caixa de maldades no centro da cidade. Se a calma prevalece, alguém pega e solta uma maldade. Quando tudo volta ao normal, outro espírito de porco vai lá e repete a ação. Classifico alguns fatos ocorridos recentemente por aqui como invejosos.  O Aurélio define inveja como pesar pelo bem do outro. Para usufruir de qualquer coisa torna-se necessário que o ser humano tenha uma postura interna harmônica, sem ela outra emoção importante não é percebida. Trata-se da gratidão, algo raro usado somente pelos possuidores do espírito de conciliação. Paz é algo poroso que nenhum invejoso consegue sentir, pois a inveja mata toda e qualquer bondade, então ele não consegue ver aquela  nobreza de sentimentos vinda da habilidade de equilibrar visão e perspectiva de mundo. A inveja é uma merda cantou o Ultraje a Rigor. Quem poderia falar sobre isso é Otelo, se vivo fosse. Toda a história gira em torno da traição de Iago quando Cássio foi nomeado tenente como homem de confiança do general. Ambicioso o sub-oficial considerava-se qualificado para o cargo e invejou o amigo a ponto de provocar uma tragédia. Não foi a toa que o Concilio de Trento colocou tal sentimento entre os sete pecados capitais. A inveja nasce do desejo de ter o que o outro tem. Essa sensação se transforma em olho gordo quando em vez de algo, tenta-se evitar que o outro consiga qualquer coisa. Invejar é a última palavra escrita por Camões na obra Os Lusíadas, A origem latina da palavra “invidare” era “não ver.” Com o tempo foi perdendo esse significado e culminou em cobiça, ganância, ciúme, sentidos atuais da palavra. O que isso tem com Bauru? Pare e pense...  
As pessoas querem cidade limpa, saúde, educação, desenvolvimento. Porém, a impressão que os bauruenses têm é que alguns fazem de tudo para nada disso acontecer, mesmo afirmando o contrário. O pensamento judaico ilustra bem isso.  Todo ser humano tem dois bolsos, de maneira a ir a um ou outro, de acordo com suas necessidades. Em um estão às palavras “por minha causa o mundo foi criado” e no outro “sou pó e ao pó vou voltar.” Se o invejoso esquecer que um dia será pó e usar sempre o bolso da frase por minha causa o mundo foi criado, sua frustração não vai permitir enxergar que a cidade não é somente dele. Ao colocar a mão no lugar errado demonstra o desejo por algo alheio, mas que julga ser o merecedor. Pobre Bauru, com poucos e bons invejosos, nunca chegará a ser a metrópole sonhada!   

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Já ouviu falar em Baptista?


Rosa era uma mulher independente. Sempre fora. Muito jovem, ainda, mal completados os dezessete anos decidiu ir para a Europa. Seus pais tentaram impedir mas não conseguiram. Ela esperou apenas fazer os dezoito e ganhar a maioridade. Vendeu sua máquina de escrever, uma enciclopédia, seus pares de sapatos, bolsas, a bicicleta, uma peruca (na época era moda usar peruca), uns poucos livros e foi embora dizendo que não voltaria.
Estudara num colégio de freiras belgas, sabia um pouco de francês, foi para a França. Com a cara e a coragem procurou os devotos de sua Igreja. Eles a ajudaram. Após duas semanas tinha um emprego. Após seis meses tinha um namorado, após dois anos tinha um filho.
Vivendo simplesmente achou melhor entregar o menino para adoção.
Não sentiu remorso algum. Sabia que ele seria mais feliz... e ela também. Trabalhou como bailarina no Crazy Horse e no Moulin Rouge, foi operadora do carrossel perto da Torre Eiffel, guia falando português, no Museu do Louvre e modelo na Place du Tertre. Já estava com quase quarenta anos quando decidiu trabalhar com turismo. Coincidentemente chegara um grupo de brasileiros que iriam da França para a Finlândia. Lá teriam um guia local, bastava que ela os acompanhasse. Aceitou na hora.
Nas geladas terras finlandesas ela teve uma tarde livre. Decidiu andar à toa. Usava seu casaco preto, botas pretas e uma echarpe francesa maravilhosa. Era 10 de dezembro, dia da independência, feriado nacional e muita gente estava nas ruas. A neve abrandara um pouco mas o frio intenso fez com que Rosa entrasse na catedral. Estava sendo executado um concerto de Sibelius. Havia um senhor elegantíssimo sentado na quinta fileira e uma assento desocupado ao seu lado. Discretamente ela pediu licença e sentou-se. O perfume dele era delicioso, chique e discreto.  Ela sentiu-se aquecida e embevecida. Ao terminar a apresentação ele levantou-se sem olhar para ela e saiu. Ela não mais esqueceu daquele perfume.

Muitos anos depois, de volta ao Brasil, num fim de tarde, ela sentiu o mesmo perfume. Seguiu aquele rastro e se aproximou de dois senhores que conversavam confortavelmente instalados nas espreguiçadeiras do hotel. O nome de um deles era Baptista.

domingo, 11 de maio de 2014

Ver além do permitido...

“Ó Tirésias que tudo explora, tanto o sabível quanto o misterioso, o que paira no céu e o que pisa em terra compreendes, embora não enxergues...”


Desde jovem uso óculos. Na família da minha mãe algumas pessoas ficaram cegas na velhice. Isso me amedrontava... Na verdade, as trevas me davam medo. Freud explica!? Claro, inconscientemente eu ficava imaginando como seria não ver. Meus sentidos são desenvolvidos em excesso devido a deficiência visual.  Minha filha comentou que a partir da cirurgia de implante das lentes, eu perderia essa percepção tão apurada de tudo. Credo, eu estou com medo de ver além do permitido, como Tirésias, o conhecido vate da mitologia grega. Por que era cego possuía vaticinium, o poder de predição. Diz uma lenda que Zeus e Hera consultaram Tirésias e este confrontou a deusa. Como castigo ela deu-lhe a cegueira. Zeus presenteou-o com o dom da mantéia/adivinhação e o privilégio de viver sete gerações. Outros dizem que  ele ficou cego ao ter visto Atena se banhando nua. Gosto dessa versão, pois aqui Tirésias viu além do permitido. Mas, voltando à questão de viver mais tempo, sete gerações, a coisa está piorando... Quantas plásticas serão necessárias durante esses anos todos para manter o pescoço lisinho? Esse é meu terceiro casamento. Quantos Baptistas eu preciso ter se viver sete gerações? No mínimo dois. Socorro Rosa Leda. Comece a procurar, pois não resisto a falta dele.  Sou até capaz de viver com a quantidade de ruguinhas e rugonas que passei a enxergar no pescoço, afinal ver é um risco e quanto mais profundo esse ver, maior a quantidade de rugas vistas. Voltando ao assunto não foi Homero ou Platão, mas Sócrates quem me apresentou a Tirésias. O homem era impossível, mesmo cego ele enxergava. Quando famoso foi personagem de tragédias gregas. Em Édipo tem uma presença forte tornando-se o contraponto elucidativo da peça.
“Declaro que vives sem saberes numa comunhão sórdida com teus entes mais caros e não enxergas toda a tua torpeza” disse ao rei em conversa informal. Como Édipo não leu nas entrelinhas demorou um bocado para desvendar o subtexto. O vate estava xingando o rei de cego por não ver sua desdita, apesar de sua integridade física, depois o cego sou eu, deve ter pensado Tirésias, circulando pelo mundo da clareza espiritual. Mas, quando Édipo descobriu a verdade furou os olhos. Seria uma tentativa de tornar-se um vate? Nossa, acho que baixou a pitonisa de algum oráculo grego. Como cheguei aqui? Divagando como sempre. Tudo porque implantei lente multifocal e passei da clareza espiritual para a visual e vi rugas no pescoço. Daí para pensar em plástica para esticar o dito cujo foi um pulo. Vou começar a escolher o modelo. Nefertiti, a mais bela do Egito? Afrodite, a deusa da beleza no Olimpo? Simonetta Vespucio, a modelo de Botticelli? Jeanne Hebuteine, a musa de Modigliani?  A fotógrafa Dora Maar, o grande amor de Picasso?  Os cisnes têm belos pescoços. Sei não... Acho que vou consultar o Baptista. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Por falar em pescoços...




     Minha amiga é louca por pescoços... de frango, claro. Nunca entendi bem seu encantamento com aquele apêndice galináceo com que se distrai por vários minutos, concentrada, chupando furinhos e encontrando carninhas onde ninguém imaginaria encontrá-las. Pode ser assado, refogado, aferventado, basta ser um pescoço e ela o ataca, hipnotizada.

     Outro dia, almoçando aqui em casa, ela me disse:
     - Ando preocupada com o pescoço.
     Sabendo de sua paixão e considerando que já está com "certa idade", tasquei rapidamente:
     - Pode quebrar o dente?
     - Ahn???
   - Ficar mordendo os ossinhos do pescoço para procurar as carninhas, como você gosta, poderia quebrar seu dente?
     - Não estou falando de comida, menina, ando preocupada porque meu pescoço está caindo, está flácido. Já fui a um cirurgião plástico mas ele me disse que só poderá puxar a pele se eu fizer um lifting, e eu tenho medo de mudar minha fisionomia. Queria que ele puxasse para trás e grampeasse a pele... eu usaria cabelos compridos e tudo estaria resolvido.

     Caí na risada. Eu, imaginando-a à vontade, chupando um pescocinho de frango, acebolado, cheiroso e apetitoso, completamente descomposta, e ela pensando na estética do seu próprio e, realmente, enrugado pescoço.

     Falamos sobre cirurgias plásticas, sobre os pescoços de Modigliani e  Picasso, passamos para as mulatas de Di, digressionamos sobre o culto à beleza, a submissão das mulheres à imposição da moda, a injustiça de se envelhecer, e a tarde findou com a convicção, por parte dela, de que precisava voltar ao cirurgião plástico. Ela, e eu também, desejamos o pescoço de Afrodite... aquele, do famoso quadro O Nascimento de Vênus, de Botticelli: longo e liso.
     Após sua partida fui me observar ao espelho. Terá meu pescoço, um dia, despertado a atenção de algum Homero, Hesíodo ou Platão? Por que meu quadro predileto, entre todos que já vi, é o Nascimento de Vênus?



domingo, 4 de maio de 2014

O pescoço de Afrodite

Afrodite é conhecida como a deusa da beleza e do amor. Na literatura as referências a ela são muitas. No final de cada tarde ao sentar no chão da varanda e olhar para o céu penso nela. Afrodite/Vênus é a primeira estrela que aparece no firmamento. Prateada e linda fica a espera de Ares/Marte o segundo a chegar com seu brilho vermelho. Eles se olham sem nunca se aproximarem cumprindo uma ordem de Zeus. Eram amantes causando constrangimento e brigas no Olimpo. Zeus, a pedido de Hera, exigiu que os dois se afastassem. Afrodite se vestiu e veio chorar suas mágoas na terra. Despida entrou em um lago para banhar-se, e em sua homenagem, no local surgiram rosas e murtas brancas. Um cisne vem lhe fazer companhia. De repente, eis que surge o deus Ares. Eles se amaram, desobedecendo as ordens de Zeus, e como castigo eles foram transformados em estrelas. Bem, tudo isso é para dizer que até Cleópatra usou o nome de Vênus em seu primeiro encontro com Antonio na ilha de Chipre. Quando foi questionada sobre sua presença mandou-lhe o seguinte recado: “diga a ele que Afrodite veio festejar com Dioniso pelo bem da Ásia...”
Uma das mais famosas telas renascentistas O Nascimento de Vênus, de Botticelli, retrata a deusa no momento exato em que emerge das águas em uma concha (na antiguidade grega a concha simbolizava a vagina) empurrada por Zéfiro, símbolo das paixões espirituais. Trata-se de uma obra polêmica tanto pelo assunto como pelos detalhes afastados do classicismo. Uma delas a posição do pescoço de Afrodite. Não vejo nada de estranho nisso, ela era descrita por Homero, Hesíodo e Platão como a dona do mais belo pescoço dentre todas as deusas, então a desproporção pode ser considerada como licença poética do artista... ou não?