Por Laís Azeredo Alves*, no Gusmão
A vinda de centenas de haitianos do Acre para São Paulo, nas últimas
semanas, gerou tensões sobre a questão da imigração na cidade e no país. As
discussões envolvendo os políticos dos dois estados com acusações de racismo e
irresponsabilidade não serviram para uma compreensão plena da situação, muito
menos para sua solução. O governo federal, por sua vez, permanece concedendo
vistos humanitários para os haitianos que chegam, mesmo na ausência de uma
política nacional para as migrações que reflita as necessidades atuais.
Em janeiro de 2010, um terremoto de sete graus atingiu a região de Porto
Príncipe, capital do país mais pobre das Américas. A tragédia levou à morte
mais de 300 mil pessoas e forçou outras 1,5 milhão ao deslocamento nacional e
internacional. Em 2012, um furacão atingiu novamente o Haiti, causando
mais destruição e miséria em um país cuja vulnerabilidade ambiental é reforçada
pela frágil economia, pela política instável e por números de pobreza absurdos.
O Haiti tem sua história marcada pela violência nas lutas
pela independência e pela vitória de ter sido o primeiro país do continente
americano a alcançá-la, em 1804, pelas mãos de líderes negros. A independência,
todavia, não cessou outros inúmeros problemas enfrentados pelo país, como a
instabilidade política e a luta de grupos pelo poder. Assim, a situação
econômica como país periférico tampouco foi modificada.
Entre 1915 e 1934, os Estados Unidos intervieram militarmente para
defender seus interesses. Nos anos seguintes, a instabilidade política, com a
disputa política entre diferentes grupos que gerava violência, legitimou mais
intervenções externas no país. Foram totalizadas cinco intervenções
internacionais sob os auspícios da Organização das Nações Unida (ONU) só na
década de 1990[1].
Desde 2004, o Brasil lidera uma força multinacional da ONU no país,
denominada Minustah – Mission des Nations
Unies pour la Stabilization en Haiti (Missão das Nações Unidas para a
Estabilização do Haiti). A função da Minustah é de ajudar na reconstrução e na
estabilização do Haiti, por meio da reestruturação e reforma da polícia
haitiana, do auxílio no Programa de Desarmamento, Desmobilização e
Reintegração, da restauração do Estado de direito e do restabelecimento da
segurança pública no país. Além disso, à missão cabe ainda a proteção aos
civis, ao staff da ONU, o apoio aos processos políticos e a
garantia do cumprimento dos direitos humanos no país. No entanto, é necessário
questionar se o que é colocado no papel se assemelha ao que é posto em
prática. Estudos críticos apontam que os
verdadeiros objetivos da Minustah estão voltados para um projeto de
“recolonização” do país por parte do capital transnacional, e que a ajuda
humanitária é uma grande farsa.
A vulnerabilidade do Haiti é geral: inexiste estabilidade política e
segurança pública e há crise de alimentos, escassez de água potável, falta de
infraestrutura e saneamento básico. Gabriel Godoy, oficial de proteção do
escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no
Brasil afirma que “cerca de 55% dos haitianos viviam com menos de 1,25 dólar
por dia, por volta de 58% da população não tinha acesso à água limpa e em 40%
dos lares faltava alimentação adequada” [2].
No ano de 2012, ficou mais uma vez comprovada a instabilidade ambiental
do país: o furacão Sandy chegou no mês de outubro e provocou inundações em
áreas com esgoto a céu aberto, o que, evidentemente, facilitou a transmissão de
doenças, como o cólera[3].
Muitos haitianos permanecem no país como deslocados internos. De acordo
com a Relief Web (2014) são 172 mil pessoas,
até o final de 2013, vivendo em mais de 300 campos pelo país. Serviços básicos
nos campos – como acesso à água encanada e saúde básica [4] – não acompanham.
Portanto, se medidas de integração local, retorno ou transferência não se
intensificarem este ano, um alto número de deslocados corre o risco de
continuar vivendo em condições insalubres.
Para evitar essa situação, milhares de haitianos decidem migrar para
outras partes do mundo. Países como República Dominicana e Guiana Francesa já
faziam parte da rota de destinos frequentes dos haitianos, outros como Equador,
Colômbia, Peru, Bolívia, Chile e Argentina também se transformaram em
possibilidades para o deslocamento[5]. O Brasil também foi um destino
escolhido. A ideia de país em ascensão e hospitaleiro, além da proximidade
entre os dois povos que ocorreu com a participação de soldados brasileiros na
missão da ONU no Haiti, são alguns fatores explicativos. Outra razão são as
parcerias entre o governo, ONGs e empresas brasileiras no Haiti voltadas para o
desenvolvimento[6]. Além disso, a partir da crise econômica de 2008, os países
desenvolvidos endureceram o controle migratório, dificultando a entrada de
imigrantes[7]. É por isso que o Haiti está aqui.
Mas como o Brasil, candidato a uma cadeira permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, lida com essa nova realidade de país “em ascensão”
e destino de imigrantes que buscam melhores perspectivas de vida?
Um primeiro ponto a ser destacado é que os haitianos não são
considerados indivíduos em situação de refúgio porque, de forma geral, não se
enquadram nos pré-requisitos estabelecidos pela Convenção de 1951 e pelo
Protocolo de 1967, ou seja: indivíduos que sofrem perseguição ou fundado temor
de perseguição, violência generalizada e desrespeito aos direitos humanos. No
entanto, por se tratar de uma situação inegavelmente calamitosa e diante da
ausência de um dispositivo específico que proteja indivíduos forçados a migrar
em razão de desastres ambientais, o Brasil optou por um novo mecanismo de
acolhida, estabelecido na Resolução nº 97, de janeiro de 2012: visto
por razões humanitárias. Assim, a concessão desses vistos possibilita aos
haitianos residir legalmente no país e ter acesso a serviços públicos e ao
mercado de trabalho.
As cidades brasileiras que mais receberam imigrantes haitianos foram
Tabatinga e Manaus (ambas no Amazonas) e Brasileia e Epitaciolândia (ambas no
Acre). O caminho percorrido é, geralmente, semelhante: os haitianos passam por
países andinos, como Equador, Colômbia e Peru, até chegar ao Brasil. Em muitos
casos contam com a ajuda de atravessadores (também chamados coiotes) que cobram
para auxiliar na travessia. Os custos da viagem chegam a três mil dólares e
durante o percurso são extorquidos por policiais, roubados e sofrem violência
física, como estupros e até assassinatos[8].
A pequena cidade acreana de Brasileia encontrou-se diante de uma
situação caótica, sem infraestrutura e sem preparo, e teve que lidar com o alto
fluxo de haitianos chegando em seu território. O abrigo disponibilizado pela prefeitura da cidade enfrenta
superlotação: com capacidade para até 400 pessoas, mais de 1.240 disputam o
espaço exíguo. Sem condições de arcar com os custos dessa situação, com ajuda
insuficiente do governo nacional ( cerca de 4,2 milhões de reais foram
repassados para os serviços de assistência 1.300.000 milhão para a saúde e o
auxílio na documentação, segundo nota oficial do Ministério da Justiça), que ainda
parece não assumir sua responsabilidade, e
diante da circunstância de calamidade pública causada pela cheia do rio
Madeira, que impedia a saída de qualquer pessoa da região, o governo do Acre
fechou o abrigo de Brasileia, instalou outro em Rio Branco e encaminhou 2.200
haitianos documentados para o sul e sudeste do país. São Paulo esteve entre os principais
destinos
fonte: outras - palavras.net
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