Ele estava ali, parado, há horas.
Maltrapilho, sujo, barbudo, dormia na calçada molhada pela chuva que caíra durante
toda a noite. Seu cheiro azedo atraiu moscas que ficaram circundando-o,
caminhando por seu rosto, cabeça e braços. Eu o olhava à distância tentando
entender o que passaria pela cabeça de alguém nesse estado.
Suas calças estavam molhadas,
levantar para urinar? Para quê? Os sapatos não eram um par, um pé amarelo,
daquele couro natural com que são feitas as botinas dos caboclos, e o outro
preto. Este parecia ser novo o que acentuava o estado lastimável do amarelo.
Teria alguém jogado pela janela de um carro? Imaginei um grupo de jovens com suas
brincadeiras típicas, arrancando o sapato do mais distraído e jogando para fora.
O miserável o encontrou e saiu alegremente calçado, talvez pensando que um dia
encontraria outro pé, novo também.
Ele se mexeu, ergueu a cabeça e
encontrou meu olhar. Fixou-me por alguns instantes deixando-me constrangida, eu
fora indiscreta observando-o enquanto dormia. Virou-se, puxou a coberta,
cobriu inclusive a cabeça e tornou a deitar. Eu
não conseguia entender o que me
prendia ali mas sentia vontade de continuar olhando, pensei em me aproximar,
mas o que haveria para ser dito? Dar-lhe alguma esperança? Diria que a vida tem fases e que esta também iria passar? Expor meu pensamento sobre o liberalismo econômico, as consequências da globalização e a agressividade da sociedade contemporânea?
Princípios morais, o pecado de omissão, o
olhar fraterno, o horror à desonra e à sujeira, a rejeição aos maus cheiros digladiavam-se em minha consciência. O inverno
estava chegando, ele, tão jovem, tão sem esperança, tão desprovido de tudo,
teria que entrar em algum grupo de apoio, de promoção humana... eu deveria
fazer alguma coisa.
Vi que dormia novamente, joguei cinco reais na sua frente e voltei para casa. Estava começando a chover e eu não podia resfriar.
Vi que dormia novamente, joguei cinco reais na sua frente e voltei para casa. Estava começando a chover e eu não podia resfriar.
2 comentários:
Estranho, mas fiz um comentário sobre o texto no dia em que foi publicado e aqui não consta nada. Estranho!
Tô falando que esse blog está estranho... Ou será que minha conta é que foi invadida (lá vamos nós atrás das teorias persecutórias rsssss...)
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