quinta-feira, 12 de junho de 2014

Momentos Decisivos

     Não, não aconteceria, havia boa  chance de que desse certo. Era uma questão de tempo. Esperaria.
No dia seguinte despertou com o pensamento martelando. A ansiedade quase fez com que fosse direto ao computador, mas não, continuaria aguardando, afinal seriam só mais vinte e quatro horas, eles estipularam a data.
     Depois da sesta, seu impulso era fazer uma discreta consulta, porém,  o dia já estava na metade, resistiria. Resistiu até à noite mas deitou nervosa prevendo uma insônia.
     Acordou mais cedo do que de costume. Foi à caixa do correio, encontrou dois ou três folhetos que informavam sobre a inacreditável promoção feita pelo supermercado que, naquele dia, venderia bananas a dezenove centavos o quilo, e da loja de colchões  oferecendo o super resistente modelo Nimbus, com molas ensacadas, recobertas pela espuma de resistência quarenta e revestido por tecido de algodão indiano com elastano que não enrugava, acompanhado do box, com pés de madeira maciça e gavetões onde poder-se-ia acomodar os lençóis e cobertores confortavelmente, ganhando como brinde dois travesseiros de espuma da NASA, tudo isso pelo valor simbólico de dois mil e quatrocentos reais e com a vantagem de, na segunda compra, o cliente receber de presente um jogo de cama da mais pura malha, do designer Lamberto Meirelles. No final informavam que ela iria se arrepender muito se não fizesse a compra, pois  nunca mais encontraria promoção igual.
     Sentou-se na poltrona, com a cortina e o vitrô abertos, aproveitando o Sol para fixar a vitamina D, que repunha há alguns meses,  e esperou. O Sedex passaria logo.
     Ao meio dia desistiu da poltrona, preparou um macarrão instantâneo, que comeu sem prazer algum, abriu uma caixa de bombons e subiu para o quarto. O relógio já marcava cinco horas   quando despertou, enregelada. Impossível que não houvesse notícia! Haviam prometido procura-la! Organizou melhor seus pensamentos e chegou à frase mais adequada: o resultado seria divulgado naquela quinta-feira. Os vencedores seriam avisados antecipadamente. Conclusão: não era uma das vencedoras. Entrou no site, e respirou aliviada: por problemas técnicos fora necessário adiar para sábado a divulgação do resultado.
     Sorrindo, fez suas orações e pediu a Deus que, se ainda desse tempo, Ele a fizesse vencedora. Talvez fosse sua última chance de receber louros nesta vida. Embora houvesse muita gente na sua situação, pedindo o mesmo, que Ele olhasse para ela: nunca cometera um pecado mortal, sempre se mostrara devota e fizera uma bela caminhada pelos trilhos da espiritualidade. Sabia-se bondosa, generosa, atenta às necessidades dos outros... mas nada disso lhe trouxera louros e ela os queria, ah, como os desejava! Ao final da oração ainda explicou a Deus que não era por vaidade, Ele, que conhece cada fio de nosso cabelo, já saberia disso, dispensável lembra-lo.
     Dormiu imediatamente. Ao som do despertador saltou da cama tão rapidamente que perdeu o equilíbrio ao pisar nos chinelos. Não era o despertador! A campainha soava, em repetidos toques que, pela primeira vez, não a irritavam, esperara tanto por eles! Um moto-boy a aguardava no portão com uma caixa nas mãos. Sentiu vontade de pisar no presente enviado por sua tia. Justo naquele dia? Que ódio! Nem se alegrou com a echarpe de tricô feita pela madrinha, a irmã mais velha de sua mãe que, aos 98 anos, ainda estava lúcida e fazia peças fantásticas com suas agulhas. Já passava das onze quando a campainha tocou novamente e ela viu a perua do Sedex à sua porta, seria deles? Já olhara no site e o resultado ainda não fora divulgado.
     Olhou para o jovem entregador, examinou as mãos dele, estendeu as suas para pegar o envelope e percebeu que adiava a hora da revelação. Antes de assinar conferiu o remetente, e, sim, era deles. Assinou trêmula, tentou rasgar o plástico resistente mas não conseguiu, apressadamente subiu os degraus e entrou na casa, enfiou uma faca no envelope e, abraçou-o ao ler: Srta. Letícia Spinelli, temos o prazer de lhe comunicar que seu trabalho foi selecionado e, após criterioso exame da comissão composta pelos senhores fulano, fulano e fulano, foi considerado o melhor, sendo atribuído a ele o primeiro lugar.
     Lágrimas, vontade de contar para todos, pequenos pulos, por temor de escorregar, embora desejasse dar saltos mortais e fazer estrela, com as mãos no chão e as pernas para o ar, e o peito cheio de alegria, de vigor, de vontade de prosseguir, acompanharam-na por todo o dia. Imprimiu, copiou, colou, arquivou páginas e páginas do computador, com seu nome e a declaração de que era, efetivamente, a melhor pintora entre os idosos que competiram. Nunca tivera certeza mas dessa vez, desde o início, soubera que havia possibilidade de se projetar, tornar-se um nome, ser alguém.

     
A emoção fez com que rodopiasse abraçada à carta como se estivesse dançando.

2 comentários:

rosabertoldi@gmail.com disse...

Saudades Rosa Leda. Imagine que fiquei uma semana corrigindo o texto que vai para a editora e pasme estou ilustrando... Agora vou mostrar para o pessoal e ver se é isso mesmo, se sim a Rosa Bertoldi vai publicar mais um livro!

Rosa Leda Gabrielli disse...

Uau!!!!!!!!!!!!!! Que legal!
Adorei a informação e já estou curiosíssima. Sucesso!

Ah, se você, xará, quiser ilustrar um livro meu (infantil), talvez consigamos publicá-lo.