sábado, 31 de maio de 2008

Loucos descrentes numa cidade louca.

A temperatura caiu 15 graus de um dia para outro. Uma fina garoa ao menos ameniza as dificuldades respiratórias dos dias anteriores.
O carro automático foi a maior aquisição da história, ainda mais para alguém que morando há oito anos na cidade consegue contar com apenas duas mãos as vezes que ficou no trânsito... Jamais se acostumaria a mudar de primeira para segunda a cada vinte metros. O carro e a Rádio Cultura (FM 103,3) sintonizada minimizam o stress, o caos ao redor e até permitem um certo deleite...
No entanto, gerava um certo incômodo olhar para o lado e ver pontos de ônibus cheios de pessoas com guarda chuvas.
A cena sempre incomodou, na verdade, mas faltava coragem... O que pensariam?
Poderia ser um infeliz mal amado – o que tem sua parte de verdade – querendo fazer amigos a qualquer custo. Ou ainda um louco seqüestrador com intuito de violentar e assassinar pessoas em plena sexta-feira de manhã... Quem sabe um rico explorador de pessoas que busca pagar seus pecados de alguma forma?
Jamais, no entanto, seria alguém incomodado com o fato de gastar 200ml de etanol por km rodado e ocupar aproximadamente 10m2 de área da cidade num carro sozinho.
Por cinco quilômetros o pensamento não saiu da cabeça...
Da mesma forma que age pra pular de um trampolim de vinte e cinco metros pela primeira vez, parou o carro e ofereceu carona. Não podia pensar mais. Tinha de parar, abrir a porta àqueles que aparentassem ser mais receptíveis à idéia – sim, apesar de durar poucos segundos, houve uma análise. Seria frustrante ouvir um “Não, obrigado”.

“Não, obrigado”.

“Inacreditável”. Olhares de dúvida, espanto... Risadinhas silenciosas, caras de deboche, mas nenhum “Sim, para onde está indo?” Ao contrário... Exatamente o que não esperava escutar: “Não, obrigado”.
O vidro do carro subiu. A música passou a incomodar e o rádio foi desligado. O silêncio foi a melhor forma de apagar a vergonha e a frustração do “Não, obrigado”. Por sorte, não havia poças d’água acumulada para que outros não pagassem pelo “Não, obrigado” alheio.
Lembrou-se de Grace.
Exagero, mas lembrou-se.

Não demorou muito e felizmente admitiu que não era Grace, e que eles não eram escravos numa fazenda e que eles não mereciam todos se fuderem e que não mereciam mesmo ficar tomando chuva no ponto de ônibus. A idéia não foi esquecida... Os guarda-chuvas abertos e os assentos vazios do carro ainda incomodam. No entanto, talvez fosse melhor esperar um dia de sol...

4 comentários:

Camilla Tebet disse...

Uau, a solidão da cidade e do carro, o cinza do dia e a chuva te colocaram mesmo pra pensar. Vou ser honesta: tanto sentimento em uma viagem de carro, hâ? A culpa de olhar o ponto de ônibus do "alto" do carro automático e da Rádio Cultura, a emoção ao imaginar o que cada um era, a coragem de ofercer carona, a frustração dos "não, obrigado", a preocupação com não-possas e a resignação com a espera por um dia de sol. Puxa vida.. lendo seu texto parece que eu estava em Sp, dentro do carro sentindo exatamente as mesmas coisas.
Gostei muito. Forte.
Té proxima
dona quarta

Janaina Fainer disse...

q texto bom, meu querido

Rosa Bertoldi disse...

Moço:

Toca sua vida pra frente e esquece os problemas do mundo. Quando jovem eu também sofria com a desigualdade. Hoje sou um pouco mais cínica e penso que cada povo tem o governo que merece. Se houvesse mais honestidade, haveria mais dinheiro na praça resolvendo um montão de problemas.
Vamos tirar os caras de lá!!!!!! Abaixo o lulla e os quarenta, não é um bom slogan? E coloque um sorriso no seu belo rosto, menino.
Rosa

Rogerio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.