quinta-feira, 3 de abril de 2014

quebra-cabeças

cansou.
não queria mais brincar de quebra-cabeças.
de ter que conhecer cada pecinha de cada pessoa.
encaixar as falas bonitas perto da boca.
(aliás, tira uma dúvida: elas não deveriam partir do coração?)
tinha raiva de juntar as raras boas ações na altura do quadril.
se decepcionava ao não encontrar encaixe para os sentimentos mais puros.
anatomia burra.
sim, cansou de brincar.
de ver tudo repartido, cheio de linhas imaginárias.
de acreditar que o todo é feito de peças pequenas.
de perceber que, ao faltar uma, a paisagem fica incompleta.
pelas regras, isso é um problema.
cansou de perder horas.
dias. meses.
vidas até.
tudo para entender cada peça.
cada minúsculo pedaço de cor fosca.
tudo para que o todo faça sentido.
brincadeira chata.
odiava a falta de surpresa.
o pouco espaço para revoluções.
a pseudoliberdade do montar.
sempre à procura do encaixe perfeito.
sem espaço para erros.
premiação apenas para acertos.
aos vencedores, mais peças!
pra puta que pariu.
e, de repente, tudo vinha em peças.
tudo precisava ser montado.
amizade: 200 peças.
sonho: 3.200 peças.
desejo: 12 peças.
amor: varia conforme o jogo. 
não gostava dessa história de ler manual.
tinha horror às letras miúdas.
e pouco talento para marcenaria.
volta e meia, encontrava peças pela casa. 
embaixo do sofá.
dentro do all-star.
na caixa de areia do gato.
uma vez, embaixo do tapete, achou um conjuntinho de peças.
montou e formou um coração.
onde ia encaixar isso agora?
é… uma hora cansa mesmo.

Um comentário:

Camilla disse...

Cansa. E nessa hora precisamos andar descalço e perto da natureza, que etambém tem peças, mas são infinitas e impossíveis de entender. Montar pecinhas fica pequenininho na nossa cabeça ansiosa.