quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

charme*

nunca falhava.
ele saía do trabalho e, três minutos depois (cronometrados de forma suíça, by the way), ela estava lá.
tinha a esquina como sala de estar. o poste como sofá felpudo e aconchegante.
linda. exalava charme. coiotes podiam sentir de longe.
sobrava desejo sobre o salto alto.
as roupas não escondiam as tentações que passeavam pela mente - dela e dele.
a boca, entreaberta, parecia sempre querer dizer algo.
de longe, ela parecia sussurrar...
mas não se preocupava em dizer palavras, essas representações simbólicas fajutas, compradas nas lojas de R$ 1,99, para sentimentos e sensações.
um sussurro. o suficiente.
ela lá, do outro lado da rua.
ele cá, do outro lado da perdição.
o cabelo loiro, liso, às vezes escondia o olhar claro, intenso, vivo.
fazia até ele se sentir vivo.
suspira. tira os óculos, limpa as lentes, enxerga melhor.
sim, ela estava sempre lá.
sempre esteve.
qualquer caminho que ele fizesse pós-trabalho, ela estava lá.
conhecia atalhos. desvios. canteiro de obras. placas de pare e dê a preferência.
ela. lá.
à esquina.
feito um anjo.
feito um demônio.
sempre olhando pra ele. por ele.
ele...
que não entendeu no começo.
que não entendeu no meio.
que não entendeu no fim.
quando entendeu, era tarde.
já tinha recolhido o tapete escrito bem-vinda.
por hábito, trocava a fechadura todas as manhãs.
de calor ou frio.
medo?
talvez.
poderia se apaixonar?
já estava.
e nem precisou de três minutos.
cronometrados também, by the way.
mas, ontem, tudo mudou.
ela não estava lá.
ela... não estava.
ele sorriu... imaginou que ela gostaria disso, enfim.
batalha perdida.
arrumou as malas.
passou na loja de R$ 1,99.
e foi viver.
ou algo parecido.

* inspirado em 'charmer', kings of leon

Um comentário:

Unknown disse...

Thiago Roque:
Eu já disse que gosto muito de seu estilo? Leio todos os seus textos.
Parabéns!
Janira