segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O PROFESSOR

Fui a uma formatura de colegial, na sexta feira. O patrono da turma, professor de literatura, com o olhar blasé que fez parte do mundo intelectual parisiense na primeira metade do século passado, usava paletó um pouco desalinhado e cabelo dividido ao meio!!!! A voz bonita iniciou dizendo:

E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José?
Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?
E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio - e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?
Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José!
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?

Metade dos alunos em pranto (as meninas), os meninos puxando as meias, ajeitando a gravata, se mexendo na cadeira... As mães emocionadas. Depois de uma pausa longa ele disse em voz brandíssima:

José, o homem sem perspectiva, sozinho no escuro...
A festa acabou? O povo sumiu? Com a chave na mão querem abrir a porta? O vestibular não deixa vocês irem para o outro lado? Você grita, você geme, você quer morrer, mas você não morre!

Repentinamente com uns 80 decibéis falou:
MAS VOCÊ NÃO MORRE, VOCÊ É DURO, JOSÉ!!!!!!!!!!!!!!!!
SEM CAVALO PRETO QUE FUJA A GALOPE, VOCÊ MARCHA, JOSÉ!
VOCÊ MARCHA!
MARCHA, JOSÉ!
Continuem marchando, Josés, vocês chegarão lá!

Foi o melhor discurso de formatura que já ouvi na vida. Todas as mulheres da platéia correram para abraçá-lo e beijá-lo ao término da cerimônia. Ele continuou com o mesmo ar blasé, como se nada tivesse feito, como se aquela voz emocionada e apaixonada não fosse sua, como se não tivesse sido um gênio da comunicação.

Garanto que 90% das mulheres pensaram nele antes de dormir... eu não!

Um comentário:

Unknown disse...

Ah, ah, ah, ah.... se não tivesse pensando, ele não estaria nesse texto!!!!!!!!!!!!! Mas, de cabelo repartido ao meio, eu pensei no Poirot da Agatha...
Bjs
Janira