quinta-feira, 23 de outubro de 2008

ele

ele não sabe o que é amar.
não, senhor. não faz a menor idéia.
pobre diabo. nunca chegou perto. jamais teve fagulha deste bem-querer.
justiça seja feita: tentou, uma única vez. passou longe. gosto de bolacha amanhecida.
cuspiu. e cerrou as portas.
na infância, trocava as manifestações de carinho pela cabeça baixa, envergonhada, medrosa, assustada com o desconhecido.
na adolescência, herege convicto, nunca acreditou que beijos e experiências trocadas, roubadas, às vezes até permitidas nos muros da cidade poderiam acender-lhe chama do verbo.
hoje, faz tanta falta... Se soubesse...
mas sabe o que é certo. mas sabe o que é ser bacana. mas sabe de suas necessidades.
escova os dentes. trata o garçom com educação. tem tesão.
mas amor, nadica. sem pé cansado nem chinelo velho.
ninguém para discutir se o pivete vai chamar João ou Petrus.
não acha no supermercado. já procurou na farmácia. Só encontrou solidão na promoção – comprou dez quilos para não deixar faltar na despensa.
vidinha ordinária. de dar dó.
sem frio na barriga, abraço aconchegante, beijo na testa.
sem precipício. só a constante queda livre. poesia cega, surda e muda. amputada. à base de morfina.
conhecia só o silêncio ensurdecedor de seus próprios demônios no final de noite.
um dia, ela, deitada e envolta pelo desejo, disse a ele: “me ame”.
ele a colocou de quatro.
amém.

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