quarta-feira, 26 de março de 2014

Os problemas estão abolidos.


No fundo, no fundo,

bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

                              ( Paulo Leminski )


   Ah! que bom seria se esse decreto fosse aprovado pelos poderes devidos, que proibissem aos casados terem discussões, que proibissem aos solteiros sofrer por amor, que proibissem a falta de dinheiro para pagar as contas, que proibissem a chuva quando os agricultores não a quisessem e que chovesse nos dias certos, que fosse proibido chover demais e de menos, que proibissem a tristeza, não a tristeza comum mas aquela tão dolorida, tão dolorida que leva à morte. Não, ninguém morreria se não quisesse. Porque tem gente que não quer morrer e tem quem queira. Para esses seria providenciada uma morte muito boa, suave, sem dor, dormiria cada dia mais até que dormisse para sempre.
   Ah! que bom seria se esse decreto também estipulasse que poderíamos nos deslocar só com o pensamento. Quero estar em Paris, comandaríamos, e em instantes a Torre Eiffel se materializaria à nossa frente... ou outros lugares, um pouco mais exóticos: numa estação meteorológica na Antártida, nos fiordes da Noruega, na casa do Papai Noel, na Lapônia, ou num congresso de física quântica em algum lugar do mundo. Claro que não seríamos limitados pela Terra, poderíamos desejar ir à Lua, a Marte ou brincar de gira-gira nos anéis de Saturno... 
   Ah! que bom seria se ninguém nos magoasse, se nossa família inteira nos amasse e nós os amássemos também, se não existissem mal entendidos, inveja, rancor, indiferença...
   Todos, absolutamente todos, se amariam e sentiriam imensa alegria ao se encontrarem. 
   Que bom seria!

Um comentário:

rosabertoldi@gmail.com disse...

Que bom seria!