quinta-feira, 6 de março de 2014

palavras

paixão era cega.
nascera assim, segundo os médicos.
por quê? nenhum doutor se arriscava.
mas foda-se.
não era problema.
paixão não precisava dos olhos.
apostava no seu sexto sentido.
poder de super-herói, sabe?
quando algo ruim se aproximava, a dor no joelho piorava.
joelho ruim por causa do basquete.
doía sempre.
mas quando a energia negativa se instalava, a dor era de chorar.
e, assim, dos olhos pálidos da paixão, corria uma lágrima.
uma só.
era o sinal.
“cai fora. e rápido.”
ela não pensava duas vezes. 
corria.
guiada pelos braços, que descobriam o espaço físico ao redor, e pelo coração, que protegia cada passo acelerado.
proteção mais-que-divina, sabe?
chegava em casa, trancava a porta, se escondia embaixo do edredon estampado com fitinhas do senhor do bonfim.
não, não acreditava em santos.
nem em anjos.
acreditava só no amor.
tadinha.
também tinha super-poder para o amor.
ao sentir que um grande amor se aproximava, paixão escrevia.
tirava lápis, caderneta (paixão era vintage…) da bolsa.
era incrível.
as letras ganhavam forma em sua mente. as mãos faziam o resto.
geralmente, era uma palavra.
uma vez, saiu “sereno”. em outra, “capricho”. em outra, “música”.
o barulho do arrancar-página vinha acompanhado daquele friozinho na barriga.
frio adolescente, espinhas na cara.
paixão se dirigia até a pessoa, esticava o braço.
o papel, dobrado duas vezes, era entregue.
em silêncio.
rompido apenas pela ensurdecedor desdobrar da folha.
esperava uma resposta.
qual?
nem ela sabia.
sabia que, quando fosse a resposta certa, não haveria mais lágrima.
nem corridas.
só o amor.
até hoje, nada de resposta certa.
talvez não fosse a palavra certa escrita também.
mas não faz mal.
paixão segue fugindo.
paixão segue escrevendo.
cega dos olhos.

mas vendo o amor em cada palavra.

3 comentários:

Camilla disse...

paixão, então, meu caro Roque, é sair correndo em direção ao desconhecido, né? Belo texto.

janaina Fainer disse...

e rumo ao desconhecido...

rosabertoldi@gmail.com disse...

O moço anda inspirado não é? Adoro as metáforas como por exemplo: paixão era cega...