terça-feira, 20 de maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

INVEJA DE QUE?

Quem melhor definiu o clima de mal-estar que assola Bauru vez ou outra, foi um conhecido radialista ao falar em uma caixa de maldades no centro da cidade. Se a calma prevalece, alguém pega e solta uma maldade. Quando tudo volta ao normal, outro espírito de porco vai lá e repete a ação. Classifico alguns fatos ocorridos recentemente por aqui como invejosos.  O Aurélio define inveja como pesar pelo bem do outro. Para usufruir de qualquer coisa torna-se necessário que o ser humano tenha uma postura interna harmônica, sem ela outra emoção importante não é percebida. Trata-se da gratidão, algo raro usado somente pelos possuidores do espírito de conciliação. Paz é algo poroso que nenhum invejoso consegue sentir, pois a inveja mata toda e qualquer bondade, então ele não consegue ver aquela  nobreza de sentimentos vinda da habilidade de equilibrar visão e perspectiva de mundo. A inveja é uma merda cantou o Ultraje a Rigor. Quem poderia falar sobre isso é Otelo, se vivo fosse. Toda a história gira em torno da traição de Iago quando Cássio foi nomeado tenente como homem de confiança do general. Ambicioso o sub-oficial considerava-se qualificado para o cargo e invejou o amigo a ponto de provocar uma tragédia. Não foi a toa que o Concilio de Trento colocou tal sentimento entre os sete pecados capitais. A inveja nasce do desejo de ter o que o outro tem. Essa sensação se transforma em olho gordo quando em vez de algo, tenta-se evitar que o outro consiga qualquer coisa. Invejar é a última palavra escrita por Camões na obra Os Lusíadas, A origem latina da palavra “invidare” era “não ver.” Com o tempo foi perdendo esse significado e culminou em cobiça, ganância, ciúme, sentidos atuais da palavra. O que isso tem com Bauru? Pare e pense...  
As pessoas querem cidade limpa, saúde, educação, desenvolvimento. Porém, a impressão que os bauruenses têm é que alguns fazem de tudo para nada disso acontecer, mesmo afirmando o contrário. O pensamento judaico ilustra bem isso.  Todo ser humano tem dois bolsos, de maneira a ir a um ou outro, de acordo com suas necessidades. Em um estão às palavras “por minha causa o mundo foi criado” e no outro “sou pó e ao pó vou voltar.” Se o invejoso esquecer que um dia será pó e usar sempre o bolso da frase por minha causa o mundo foi criado, sua frustração não vai permitir enxergar que a cidade não é somente dele. Ao colocar a mão no lugar errado demonstra o desejo por algo alheio, mas que julga ser o merecedor. Pobre Bauru, com poucos e bons invejosos, nunca chegará a ser a metrópole sonhada!   

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Já ouviu falar em Baptista?


Rosa era uma mulher independente. Sempre fora. Muito jovem, ainda, mal completados os dezessete anos decidiu ir para a Europa. Seus pais tentaram impedir mas não conseguiram. Ela esperou apenas fazer os dezoito e ganhar a maioridade. Vendeu sua máquina de escrever, uma enciclopédia, seus pares de sapatos, bolsas, a bicicleta, uma peruca (na época era moda usar peruca), uns poucos livros e foi embora dizendo que não voltaria.
Estudara num colégio de freiras belgas, sabia um pouco de francês, foi para a França. Com a cara e a coragem procurou os devotos de sua Igreja. Eles a ajudaram. Após duas semanas tinha um emprego. Após seis meses tinha um namorado, após dois anos tinha um filho.
Vivendo simplesmente achou melhor entregar o menino para adoção.
Não sentiu remorso algum. Sabia que ele seria mais feliz... e ela também. Trabalhou como bailarina no Crazy Horse e no Moulin Rouge, foi operadora do carrossel perto da Torre Eiffel, guia falando português, no Museu do Louvre e modelo na Place du Tertre. Já estava com quase quarenta anos quando decidiu trabalhar com turismo. Coincidentemente chegara um grupo de brasileiros que iriam da França para a Finlândia. Lá teriam um guia local, bastava que ela os acompanhasse. Aceitou na hora.
Nas geladas terras finlandesas ela teve uma tarde livre. Decidiu andar à toa. Usava seu casaco preto, botas pretas e uma echarpe francesa maravilhosa. Era 10 de dezembro, dia da independência, feriado nacional e muita gente estava nas ruas. A neve abrandara um pouco mas o frio intenso fez com que Rosa entrasse na catedral. Estava sendo executado um concerto de Sibelius. Havia um senhor elegantíssimo sentado na quinta fileira e uma assento desocupado ao seu lado. Discretamente ela pediu licença e sentou-se. O perfume dele era delicioso, chique e discreto.  Ela sentiu-se aquecida e embevecida. Ao terminar a apresentação ele levantou-se sem olhar para ela e saiu. Ela não mais esqueceu daquele perfume.

Muitos anos depois, de volta ao Brasil, num fim de tarde, ela sentiu o mesmo perfume. Seguiu aquele rastro e se aproximou de dois senhores que conversavam confortavelmente instalados nas espreguiçadeiras do hotel. O nome de um deles era Baptista.

domingo, 11 de maio de 2014

Ver além do permitido...

“Ó Tirésias que tudo explora, tanto o sabível quanto o misterioso, o que paira no céu e o que pisa em terra compreendes, embora não enxergues...”


Desde jovem uso óculos. Na família da minha mãe algumas pessoas ficaram cegas na velhice. Isso me amedrontava... Na verdade, as trevas me davam medo. Freud explica!? Claro, inconscientemente eu ficava imaginando como seria não ver. Meus sentidos são desenvolvidos em excesso devido a deficiência visual.  Minha filha comentou que a partir da cirurgia de implante das lentes, eu perderia essa percepção tão apurada de tudo. Credo, eu estou com medo de ver além do permitido, como Tirésias, o conhecido vate da mitologia grega. Por que era cego possuía vaticinium, o poder de predição. Diz uma lenda que Zeus e Hera consultaram Tirésias e este confrontou a deusa. Como castigo ela deu-lhe a cegueira. Zeus presenteou-o com o dom da mantéia/adivinhação e o privilégio de viver sete gerações. Outros dizem que  ele ficou cego ao ter visto Atena se banhando nua. Gosto dessa versão, pois aqui Tirésias viu além do permitido. Mas, voltando à questão de viver mais tempo, sete gerações, a coisa está piorando... Quantas plásticas serão necessárias durante esses anos todos para manter o pescoço lisinho? Esse é meu terceiro casamento. Quantos Baptistas eu preciso ter se viver sete gerações? No mínimo dois. Socorro Rosa Leda. Comece a procurar, pois não resisto a falta dele.  Sou até capaz de viver com a quantidade de ruguinhas e rugonas que passei a enxergar no pescoço, afinal ver é um risco e quanto mais profundo esse ver, maior a quantidade de rugas vistas. Voltando ao assunto não foi Homero ou Platão, mas Sócrates quem me apresentou a Tirésias. O homem era impossível, mesmo cego ele enxergava. Quando famoso foi personagem de tragédias gregas. Em Édipo tem uma presença forte tornando-se o contraponto elucidativo da peça.
“Declaro que vives sem saberes numa comunhão sórdida com teus entes mais caros e não enxergas toda a tua torpeza” disse ao rei em conversa informal. Como Édipo não leu nas entrelinhas demorou um bocado para desvendar o subtexto. O vate estava xingando o rei de cego por não ver sua desdita, apesar de sua integridade física, depois o cego sou eu, deve ter pensado Tirésias, circulando pelo mundo da clareza espiritual. Mas, quando Édipo descobriu a verdade furou os olhos. Seria uma tentativa de tornar-se um vate? Nossa, acho que baixou a pitonisa de algum oráculo grego. Como cheguei aqui? Divagando como sempre. Tudo porque implantei lente multifocal e passei da clareza espiritual para a visual e vi rugas no pescoço. Daí para pensar em plástica para esticar o dito cujo foi um pulo. Vou começar a escolher o modelo. Nefertiti, a mais bela do Egito? Afrodite, a deusa da beleza no Olimpo? Simonetta Vespucio, a modelo de Botticelli? Jeanne Hebuteine, a musa de Modigliani?  A fotógrafa Dora Maar, o grande amor de Picasso?  Os cisnes têm belos pescoços. Sei não... Acho que vou consultar o Baptista. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Por falar em pescoços...




     Minha amiga é louca por pescoços... de frango, claro. Nunca entendi bem seu encantamento com aquele apêndice galináceo com que se distrai por vários minutos, concentrada, chupando furinhos e encontrando carninhas onde ninguém imaginaria encontrá-las. Pode ser assado, refogado, aferventado, basta ser um pescoço e ela o ataca, hipnotizada.

     Outro dia, almoçando aqui em casa, ela me disse:
     - Ando preocupada com o pescoço.
     Sabendo de sua paixão e considerando que já está com "certa idade", tasquei rapidamente:
     - Pode quebrar o dente?
     - Ahn???
   - Ficar mordendo os ossinhos do pescoço para procurar as carninhas, como você gosta, poderia quebrar seu dente?
     - Não estou falando de comida, menina, ando preocupada porque meu pescoço está caindo, está flácido. Já fui a um cirurgião plástico mas ele me disse que só poderá puxar a pele se eu fizer um lifting, e eu tenho medo de mudar minha fisionomia. Queria que ele puxasse para trás e grampeasse a pele... eu usaria cabelos compridos e tudo estaria resolvido.

     Caí na risada. Eu, imaginando-a à vontade, chupando um pescocinho de frango, acebolado, cheiroso e apetitoso, completamente descomposta, e ela pensando na estética do seu próprio e, realmente, enrugado pescoço.

     Falamos sobre cirurgias plásticas, sobre os pescoços de Modigliani e  Picasso, passamos para as mulatas de Di, digressionamos sobre o culto à beleza, a submissão das mulheres à imposição da moda, a injustiça de se envelhecer, e a tarde findou com a convicção, por parte dela, de que precisava voltar ao cirurgião plástico. Ela, e eu também, desejamos o pescoço de Afrodite... aquele, do famoso quadro O Nascimento de Vênus, de Botticelli: longo e liso.
     Após sua partida fui me observar ao espelho. Terá meu pescoço, um dia, despertado a atenção de algum Homero, Hesíodo ou Platão? Por que meu quadro predileto, entre todos que já vi, é o Nascimento de Vênus?



domingo, 4 de maio de 2014

O pescoço de Afrodite

Afrodite é conhecida como a deusa da beleza e do amor. Na literatura as referências a ela são muitas. No final de cada tarde ao sentar no chão da varanda e olhar para o céu penso nela. Afrodite/Vênus é a primeira estrela que aparece no firmamento. Prateada e linda fica a espera de Ares/Marte o segundo a chegar com seu brilho vermelho. Eles se olham sem nunca se aproximarem cumprindo uma ordem de Zeus. Eram amantes causando constrangimento e brigas no Olimpo. Zeus, a pedido de Hera, exigiu que os dois se afastassem. Afrodite se vestiu e veio chorar suas mágoas na terra. Despida entrou em um lago para banhar-se, e em sua homenagem, no local surgiram rosas e murtas brancas. Um cisne vem lhe fazer companhia. De repente, eis que surge o deus Ares. Eles se amaram, desobedecendo as ordens de Zeus, e como castigo eles foram transformados em estrelas. Bem, tudo isso é para dizer que até Cleópatra usou o nome de Vênus em seu primeiro encontro com Antonio na ilha de Chipre. Quando foi questionada sobre sua presença mandou-lhe o seguinte recado: “diga a ele que Afrodite veio festejar com Dioniso pelo bem da Ásia...”
Uma das mais famosas telas renascentistas O Nascimento de Vênus, de Botticelli, retrata a deusa no momento exato em que emerge das águas em uma concha (na antiguidade grega a concha simbolizava a vagina) empurrada por Zéfiro, símbolo das paixões espirituais. Trata-se de uma obra polêmica tanto pelo assunto como pelos detalhes afastados do classicismo. Uma delas a posição do pescoço de Afrodite. Não vejo nada de estranho nisso, ela era descrita por Homero, Hesíodo e Platão como a dona do mais belo pescoço dentre todas as deusas, então a desproporção pode ser considerada como licença poética do artista... ou não?