quinta-feira, 16 de outubro de 2008

encontro

o mesmo bar. primeira terça-feira do mês.
era sempre assim. deus chegava antes, chapéu cata-ovo, barba tingida, óculos nerd. depois, chegava o diabo: terno preto risca-de-giz, sapatos encerados, a gravata vermelha, goma no cabelo.
encontro amigável. assunto: o andamento do mundo, concessões, pedidos.
deus já estava na terceira long-neck. o diabo chegou, sentou, pediu uísque e gelo extra.
- você está atrasado, lu - disse deus, bebericando a garrafa.
- não, velhinho. você é ansioso demais, sempre chega antes.
frente a frente. no meio do bar. nunca eram incomodados.
- preciso fazer um pedido especial dessa vez, lu.
- manda.
- preciso que você elimine do mundo o ódio e a tristeza. fiz umas pesquisas e percebi que muitas das reclamações que chegam a mim têm ligação com essas merdas que você criou. uma ladainha que não tem fim. então, hoje queria negociar isso com você. o que quer em troca?
diabo, velho malandro, recebe o uísque do garçom. sorri de canto de boca.
- não posso fazer isso, velhinho.
deus é um tanto escandaloso, sabe? quando bebe, então... um chato. quando ouviu o não do diabo, já deu um tapa na mesa.
- como não, lu? já negociamos a morte do elvis, o lento e contínuo fim da camada de ozônio, incêndios, assassinatos em massa... por que a frescura?
- não posso - repete e sorri, de forma mântrica, o demo.
- você tá valorizando seu preço, te conheço - diz deus, um tanto alterado.- mas vamos lá, lu: o que quer? mais filas em bancos? mais mosquitos? dor de cabeça?
- hum... tentador, velhinho - e lá se vai meio uísque, enquanto chega mais uma long-neck pra deus.
- já sei - brada o criador. vou lhe dar mais 10 serial-killers. você coloca onde quiser. escolhe o número de vítimas e o estilo das mortes. metade será presa, metade não - e deus sorri, feito vendedor das Casas Bahia.
- você me conhece, velhinho.
- feito, então.
- ok. obrigado.
o diabo mata o uísque, levanta, deixa o dinheiro da bebida, pega duas pedras de gelo, levanta.
- ei, onde vai? já fez sua parte?
o sorriso do tinhoso aumenta.
- já disse, velhinho. não posso fazer o que me pediu. mas agradeço sua gentileza.
deus vira a mesa, quebra a long-neck na parede, ameaça o capeta.
- que porra é essa? como não pode fazer?
a turma do deixa-disso se levanta para apartar. sereno, no boteco, só o diabo.
- devia beber menos, velhinho. ódio e tristeza não são sentimentos, e sim conseqüências. surgem nos espaços onde não há amor. e não fui eu quem colocou o amor como primeiro mandamento.
deus se senta, encosta na cadeira, os ânimos se acalmam.
de repente, deus ri. enlouquecidamente.
- diabo filho da puta - murmura. até mês que vem.
- até mês que vem, velhinho.

3 comentários:

Ana Alice disse...

sensacional.

Anônimo disse...

Thiago Roque criador do niilismo fofo. Demais.

kilder disse...

muito legal...
t+