quinta-feira, 16 de setembro de 2010

bilhete

na mão direita, a caneta azul, com a tampa toda mastigada pela tensão do fim.

à frente, a folha de caderno, calma, paciente, à espera das palavras certas.

era seu passaporte do adeus.

sim, ia embora. ia não, vai embora. só quer dizer tchau.

e não consegue.

incrível como todos os motivos que o fizeram tomar a decisão de partir se escondem nessa hora. agora, que precisam ser machos, mostrar os culhões, fogem feitos ratos com medo dos gatos.

covardes. motivos são covardes. frouxos duma figa.

e quem paga o pato é a tampa da caneta.

toda mastigada. sofre mais que os amantes em questão.

poderia falar das diferenças entre eles.

ok, clichê, mas os clichês estão na moda.

poderia falar do jeito dela de implicar com o futebol, com a roupa suja jogada no quarto, com os filmes pornôs.

emendaria, na sequência, a merda da comida vegetariana que ela engolia, os incensos fedorentos, os sapatos frequentemente vomitados pelo guarda-roupa, lotado de pares e saltos e cores e modelos.

pra não ficar pesado (e para garantir a fama de bom moço), lembraria de coisas boas: do colo e cafuné ao assistir à tv, das noites de dança na sala apertada, do brinde com vinho chileno.

sentiria falta do cheiro dela no travesseiro, no jeito dela dobrar as camisetas, do beijo molhado de bom dia de segunda a sexta - sábado e domingo ela acordava mais tarde, merecido descanso...

não poderia esquecer as brincadeiras no supermercado, o jeito emburrado e divertido quando não conseguia fazer as unhas, a paixão comum pelos filmes do tarantino e pelas letras do ben harper.

engoliu seco. sentiu o peito apertar, fechar feito porta de bar.

doía.

motivos estúpidos. e mentirosos. e covardes. sim, covardes.

rasgou a folha. colocou no bolso.

pegou uma nova. branquinha, pura, virgem.

engoliu o choro. suspirou.

“vou porque te amo demais”, escreveu - em letra de mão, devagar, bem legível.

sorriu. outro clichê, claro.

assim como ele.

ao fechar a porta, entendeu porque os motivos são covardes.

e também porque os clichês estão de volta.