quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eu prefiro o Bozo!

Um comediante, descontente com a rentabilidade mensal de sua atividade, resolve candidatar-se a um cargo político eletivo, usando como bandeira principal de sua campanha a sátira ao próprio cargo que busca ocupar e a todos os políticos. É, automaticamente, aprovado por grande parcela do eleitorado que busca utilizar o voto como ferramenta de protesto. O sucesso da empreitada, até certa altura da corrida eleitoral, era evidente.

A breve história acima pode parecer uma crônica sucinta do fenômeno que neste exato momento toma conta do Brasil e que, ao que tudo indica, vai eleger um palhaço (!!) ao Congresso Nacional. Mas não é. Essa é a história de Jón Gnarr, personagem teatral cômico do ator Islandês Jón Gunnar Kristinsson de 43 anos, que fora, pasmem, em 29 de maio de 2010, eleito prefeito da capital da Islândia, Reykjavík, com 34,7% dos votos. Gnarr venceu as eleições sem absolutamente nenhuma plataforma política previamente estabelecida e até mesmo sem contar com um partido político: ele fundou o seu próprio, o qual denominou comicamente de “Melhor Partido”.

Dentre as promessas políticas de Jón Gnarr estava a de conseguir emprego para toda sua família, além de arrumar um trabalho que fosse bem remunerado e que exigisse pouco trabalho. E a população islandesa, num movimento inesperado de rebeldia, comprou a idéia, elegendo o personagem – isso mesmo - para o cargo: o ator alterou o registro civil de seu nome, ficando definitivamente registrado com o nome do personagem. Em outras palavras, como se Chico Anísio tivesse se candidatado e o eleito fosse o Professor Raimundo.

A primeira reação de todos nós brasileiros ao tomarmos conhecimento dessa história verdadeira e bizarra é: “quer dizer então não somos nós os únicos que ridicularizamos a política em geral e a representação em particular?” Pois é. O mundo todo vive uma onda de descontentamento com a democracia representativa, melhor entendida como aquela em que nós, o povo, somos representados por um fulano que nunca vimos pessoalmente na vida e que não faz a menor idéia dos nossos problemas. Quando muito conhece alguns dados estatísticos. Os votos de protesto ao redor do mundo são uma demonstração disso.

Mas o fenômeno brasileiro tem suas particularidades perigosas, as quais ficam evidentes numa comparação com seu alter ego islandês. Afinal, o palhaço de lá tem uma ampla formação artística. E a Islândia tem 99,1% de sua população alfabetizada, além de estar em 1º lugar no Ranking Mundial de desenvolvimento da ONU, conhecido como IDH. Em outras palavras, se o palhaço de lá resolver fazer palhaçada no cargo, vai não vai ser por incompetência. Ele vai poder ler todos os documentos que tiver que assinar. Ele poderá, portanto, ser moralmente (e até criminalmente) responsabilizado pela atitude desesperada do povo. No Brasil, depois de tudo, o palhaço vai rir. E nós, cedo ou tarde, vamos chorar.

Um comentário:

Rosa Leda disse...

Espetáculo de escrita! Humor, crítica, leveza e densidade... bela mistura. Gosto muitíssimo do seu estilo. Parabéns!