segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um dos argumentos usados pelos juntadores de tralha é que as coisas têm valor sentimental. Sou do signo de Câncer – sonhadora e apegada ao passado – e venho caminhando por esta vida agregando a ela os descartes das várias ramificações familiares: os bibelôs de minha madrinha, os livros de vários tios, vestidos de seda de uma tia extravagante que só usava os ditos cujos combinando com turbantes e por aí afora.
Por causa disso, fiquei fascinada ao saber que um canal de televisão criou um tipo de reality show para os juntadores, colecionistas ou “hoaders”, acumuladores compulsivos de tralhas, pessoas incapazes de se desfazer dos objetos mais inúteis. Desde cadarços velhos a latas vazias, pedacinhos de madeira, jornais e disquetes, argolinhas de latas de bebida etc.
“Quem guarda tem?” Na coluna Vanessa Vê TV (Ilustrada/Televisão E 11) de 19/9 ela com muito humor completa: quem guarda tem... ratos.
Meus amigos moram numa cidadezinha de onde se tem uma vista magnífica do lago de Como, a poucas horas de Milão. Quando compraram o apartamento no andar térreo de um encantador prédio de três andares apaixonaram-se pela vizinha do lado – mulher de cinqüenta e poucos anos, cheia de energia, pintora nas horas vagas, dona de seu nariz, lúcida e franca. Divertida na hora certa, acabou entrando para o rol dos amigos inesquecíveis.
Filha bastarda (olhem a palavra!), seria herdeira de um grande patrimônio, mas acabou vivendo grande drama quando um dos meio-irmãos, filho legítimo, resolveu impedir que ela tomasse posse dos bens do pai. Esse foi o instante em que seu mundo começou a ruir.
Essa mulher foi ano a ano se transformando em outra pessoa. À medida que o processo caminhava ela mudava de atitude. Tornou-se avara, abandonou cuidados consigo mesma e com a casa, deixou de pintar os cabelos e as paredes, parou de tomar banho e lavar a área externa e comprava tudo o que via anunciado na televisão o que parece adverso à avareza mas não comprava comida. Minha amiga, compadecida, deixava sacolas com alimentos à porta e gravava recados em sua secretária eletrônica avisando que fizera isso. As sacolas desapareciam.
Nossos amigos vêm ao Brasil uma vez por ano e as notícias, ano a ano, deixavam-me mais curiosa pelo capítulo seguinte.
Finalmente, no ano passado, interditaram essa senhora. Os vizinhos sabiam que estava viva porque o jornal desaparecia da porta diariamente mas de vida ela não dava sinais. Como nenhum movimento havia e o mau cheiro passou a ultrapassar os limites de suas paredes resolveram chamar a polícia. A mulher foi encontrada totalmente descabelada e imunda num apartamento em que só havia uma trilha levando da porta de entrada à cozinha e outro da cozinha ao quarto. O resto do espaço era ocupado por caixas empilhadas até o teto, sacos de plástico, papel amassado, pilhas de jornais e revistas.
Os processos (de decadência física-emocional e o jurídico) demoraram quinze anos. O irmão ganancioso morreu, ela está internada num manicômio/casa de repouso geralmente sedada e a herança será recebida pelos filhos de um outro irmão assim que ela morrer.
Vanessa, na Folha de ontem, conta de um homem: Langley, que, em 1940, estocava periódicos na esperança de que um dia pudesse lê-los. Um dia tropeçou e foi soterrado pelas pilhas. Ele morava com um irmão cego e tetraplégico. Foi encontrado a três metros da cadeira de rodas de seu irmão – que morreu de fome – após retirarem 163 toneladas cúbicas de lixo de sua casa. Foram necessários dezenove dias de trabalho para chegar até ele.
Nossa!!! Vou começar a jogar meus cadernos de escola e as pulseiras que não cabem mais no meu pulso..., prometo me desfazer também de todos os pregos enferrujados e das tarrachas que não têm mais brinco.

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