segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mistério à beiramar V

* Sorry... semana passada escrevi Beira Mar... um lapso.

Baptista, como se não tivesse ouvido minha intervenção continuou sem sequer nos olhar.
-...Je meurs à l'instant mon amour
Je ne serai plus là à ton réveil
Mon destin s'accomplit - Déjà
Le rêve s'assombrit à l'exemple
Du ciel à la tombée du jour, déjà
L'aigle de feu disparaît au loin
Seul sans toi au bout du monde.
Azevedo e eu nos olhamos, cúmplices. Mantivemos o silêncio respeitando aquelas dolorosas lembranças. O poente vermelho fez com que olhássemos as nuvens que filtravam a despedida daquele dia.
- Desculpem-me! Por instantes deixei-me levar por pensamentos dolorosos que tenho alojados no fundo da alma e dos quais não consigo livrar-me.
- Caro amigo, companheiro, que magnífica oportunidade para falar... de nada adianta alojarmos tristes memórias no fundo d´alma, importante é livrarmo-nos delas, aproveitarmos com humor os dias que ainda temos à frente.
Senti que precisava dizer alguma coisa mas nada me ocorreu. Não entendi muito bem o poema mas percebi que falava em solidão. Pobre homem! Três filhos, ser um estrangeiro em sua própria terra já que viveu tantos anos fora, certamente deve ter se afastado dos amigos e com tantas mudanças de telefones é impossível encontrar alguém a não ser usando recursos modernos. E se eu lhe falasse do Facebook? Em seguida me censurei: cala a boca, a conversa está num nível tão elevado e você quer estragar tudo?
- Inkeri se enforcou e eu me sinto culpado, não deveria tê-la deixado só.
Os soluços vieram antes do final da frase.
- Depressões – disse Azevedo. Com o desaparecimento das figuras do médico de família e do padre que visitava seus paroquianos tudo se agravou... O médico de família conhecia as mazelas de todos e diagnosticava com facilidade embora os remédios fossem limitados. O padre confessor sabia das preocupações e dores de cada um... Para que psicólogos, psicanalistas e psiquiatras? Desculpem, as depressões me indignam!

Baptista acalmara-se um pouco. Chegáramos ao hotel e nos sentamos no lounge. Um pianista tocava uma música que imediatamente identifiquei: I cried for you, pois adoro Billie Holiday, então eu cantei baixinho, apertando a mão de Baptista:
And when you went
I became a hopeless drifter
But this life was not for you
Though I learned from you
That beauty need only be a whisper

I'll cross the sea for a different world
With your treasure, a secret for me to hold
………………………………
Ambos sorriram e eu, empolgada, continuei. Ouvimos e cantei mais duas ou três músicas e ao final recebi aplausos carinhosos.
- Inkeri e eu gostávamos muito de Billie. Todos têm livros de cabeceira, tínhamos discos. Ouvíamos à noite, deitados, de mãos dadas. Sinto muita falta dela mas, enfim, nada há que se possa fazer. Obrigado pelos ouvidos - Sorriu mais relaxado – ocupei-os com minha tristeza. Falem-me de vocês.
- Diga-nos, Júlia, mais alguma coisa sobre você. É tão nova, ainda, e conhece músicas antigas de cor, que história é essa?
- Quando mocinha fiz intercâmbio. Passei um ano nos Estados Unidos. Meu pai, de lá, adorava a Billie. Como veem, não é tão misterioso assim.

2 comentários:

Anônimo disse...

Está esquentando. Bjs. Rosa II

Alexandre Henrique disse...

É fabuloso comno Baptista responde com educação e gentileza o paradigma da nostalgia, realmente é um homem de outro universo. Muito interessante o conto. Obrigado pela visita, estou adorando o conto.