sábado, 21 de janeiro de 2012

A embaixada de Bauru em São Paulo

Eram os anos 70. Em São Paulo ainda fazia frio igual na Europa e garoava de vez em quando. Para uma garota educada no interior a cidade era o máximo. Hoje tenho minhas dúvidas em relação a isso, embora continue gostando muito da São Paulo cultural. Leia isso como: bons restaurantes e museus excelentes, sem falar nas galerias de arte. São Paulo não se parece com nenhuma cidade do mundo, pelo menos não com as que eu conheço.
Mas, gostaria de lembrar desses anos 70, momento cinzento na política brasileira, o clima era de terror, mesmo que a gente se divertisse muito. Nesse bom astral viva a família de Déborah, mulher conhecida dos bauruenses por sua generosidade e inteligência, além dos dotes culinários. Abria seu belo apartamento toda terça feira para receber qualquer bauruense de passagem ou não pela cidade com uma mesa farta. Lá conheci o Henri filho de um americano com uma brasileira, que com toda certeza era mais chegado a nossa cultura do que a de seu pai. Tocava violão e cantava muito bem. Naquela época o sucesso era uma música que Caetano Veloso gravou tempos depois Chuvas de Verão. Linda! Quando eu aparecia nesses encontros sempre pedia ao Henri para cantá-la e ele respondia: essa só depois de meia noite. Nunca perguntei o motivo. Mas, quando batiam as 12 badaladas do sino de uma igreja próxima à Frei Caneca, ele começa

“Podemos ser amigos simplesmente/Coisas do amor nunca mais/Amores do passado, do presente/repetem velhos temas tão banais/Ressentimentos passam como o vento/São coisas de momento/São chuvas de verão...
Trazer uma aflição dentro do peito/é da vida um defeito/Que se extingue com a razão/Estranho no meu peito/Estranha na minha alma/Agora eu tenho calma/Não te desejo mais...
Podemos ser amigos simplesmente/amigos simplesmente/nada mais...”


Essas lembranças voltaram a minha memória hoje quando ouvi no rádio do carro Chuvas de Verão na voz do Caetano. Foi como se eu caísse no túnel do tempo. Senti o cheiro de São Paulo e de sua chuva fininha, lembrei-me da capa maravilhosa que comprei acompanhada de Sergio, meu velho amigo, que vive há anos na França, de um vestido azul Klein que meu amigo Silvio adorava. Do bar perto da igreja de Moema onde a gente enchia a cara, pois era proibido proibir... então, podia-se dirigir embriagado. Dele dizendo que enquanto fossemos aquele grupo unido ninguém precisaria de psicólogo, afinal a gente chorava as mágoas, decepções, traições, puxada de tapete, um no ombro do outro. Do João Sebastião Bar e todos os intelectuais que por ali apareciam. Até João Gilberto tão alheio a tudo de vez em quando cantava por lá! Silvio foi meu primeiro contato com a morte. Quando ele morreu quase morri junto. Chorei por mais de seis meses sua perda, lembrando que quando eu estava grávida do meu primeiro filho, percorria o Iguatemi comigo para comprar roupas de bebê, mesmo ele tendo certeza que eu daria luz a uma ervilha! Sempre fui magra e não engordei durante os nove meses, só a barriga cresceu um pouco. Mas, meu filho nasceu enorme e continua grande em todos os sentidos. Hoje Déborah tem 92 anos, mas continua lúcida e leitora voraz de tudo de bom que o mercado lança, inclusive os best sellers. Ela me mandou os três volumes do Millennium, pode? Eu nunca tinha ouvido falar nos tais livros e existe até filme do primeiro volume pronto para ser lançado em fevereiro. Enfim, um momento luminoso na minha vida, tempos de Usp, de pós-graduação, de correrias, de festas infantis, hoje sou bem mais vivida e cínica sem dúvida nenhuma, aprendi que os bonzinhos não estão com nada, uma pena, a idade da inocência ter passado.



Um comentário:

Anônimo disse...

Rosa
Lembra do congresso de Ibuina? Lembra de gente no DOPS indo ao banheiro acompanhada de soldados e não podendo fechar a porta para fazer xixi? Lembra de amigos morrendo para defender uma democracia que não serve para nada hoje em dia? Lembra do FHC fechado com os estudantes na Rua Maria Antonia? Momentos.... anônima que tambem ia aos encontros na casa de Déborah.