sábado, 7 de janeiro de 2012

A sala de vidro de Simon Mawer

Em nota o autor esclarece que embora A sala de vidro seja uma obra ficcional, a casa de vidro e o cenário são de verdade... Acho bom começar do começo. Ganhei da Rosa Gabrielli, minha amiga de longa data, um livro. Assim como Traduzindo Hannah trata-se da história de judeus e uma das personagens mais fortes no caso dos trabalhos chama-se Hana.
Embora o autor diga que é ficção, lamento dizer que a trama é parecida com a história de uma das famílias mais tradicionais da antiga Tchecoslováquia. Bem vou situar os leitores do blog, vocês não têm obrigação de conhecer nada sobre o país. Como meu avô era judeu austríaco, eu sei um pouco da história do império austro húngaro. Foi sobre essas ruínas que o tratado Saint Germain-en- Laye criou a Tchecoslováquia unindo dois povos de língua similar: checos e eslovacos. A capital... bem a capital é Praga. A ocupação nazista se dá nos anos de 1939-45 e a comunista entre 1948-89. A redemocratização do país promove diálogos e, em 1993, um novo acordo entre as partes faz uma volta ao passado: checos de um lado e eslovacos de outro, ou seja, dois países. O texto relata fatos acontecidos na Moravia, uma região que continua pertencendo à atual República Tcheca.
Isso é história! Pois é. O livro relata a saga de uma família judaica ou nos termos nazistas, mestiça, logo após a primeira grande guerra, embora em momento algum o autor faça referencia as datas. Trata-se da vida do casal Liesel e Viktor Landauer. Descreve o casamento e a lua de mel em Veneza, onde eles conhecem um arquiteto Rainer Von Abt. Qualquer semelhança com o checo Jan KotEra não me parece mera coincidência. Viktor e Liesel ganharam um terreno de presente e pretendem construir uma casa moderna, afinal vivem no século XX. Landauer é um rico empresário judeu que estimula a inovação e o progresso. Como engenheiro projeta os carros de sua fábrica e junto com sua jovem esposa e o arquiteto arrojado planeja o projeto de uma casa modernista. Pronta ela se torna a Das Landauer Haus e possui uma sala de vidro, onde brilha uma parede de ônix. A casa é palco de recitais e encontros culturais passando a referencia na cidade. Qual cidade? Simon não diz. Eu suponho que se ele falou a verdade: cenário e casa não são ficção, então ela deve ter sido construída em Zlin, uma das mais modernas cidades do mundo distando pouco de Praga. Ela também não está longe da fronteira com a Polônia, primeiro lugar a ser invadido por Hitler.
Simon Mawer mostra a que veio logo nas primeiras páginas. O livro é ótimo. Na página 38 a conversa gira em torno da arte de vanguarda, Mondrian, De Stijl e Klimt. É Liesel quem anuncia que tem um retrato de sua mãe feito pelo pintor. “Se a filha servir de parâmetro, deve ser uma mulher muito bonita” afirma Von Abt e imediatamente critica o movimento Secessão e Viena por suas construções antiquadas dizendo que quer tirar o homem das cavernas para fazê-lo flutuar no ar. “Quero lhe dar um espaço de vidro onde habitar.” E o casal embarca nos seus sonhos: uma casa com estrutura sólida, porém leve, para um terreno que declinava de maneira suave e depois cada vez mais íngreme até um bosque. Na parte mais plana um jardim cujo centro seria um vidoeiro.
A vida de Viktor é semelhante a do empresário Tomás Bata. Viktor vendeu a fábrica de carros para seu sogro e abandonou o país quando a guerra começou. Bata deixou sua empresa como herança para seu irmão Jan Antonin. Porém durante os dez anos que foi prefeito de Zlin transformou a cidade numa utopia urbana. Tudo moderno, das fábricas, aos edifícios públicos, modelos para as construções privadas. O material? Tijolos vermelhos, vidros e concreto. A proposta era de Ebenezer Howard: a ideia era ter uma cidade jardim. A influência veio de Le Corbusier. Mas, afinal quem foi Thomas Bata? Ele construiu uma fábrica de calçados em Zlin e dez anos depois ganhou o mundo. Conheço um monte de gente que compra as botas pensando que são francesas! Viktor foi com a família para a Suiça e de lá para os Estados Unidos, onde montou uma fábrica de barcos. O livro começa e termina com a visita da senhora Elizabeth Landor, naturalizada americana e antiga proprietária da casa, que primeiro, foi tomada pelos alemães, depois pelos soviéticos e finalmente pelo governo da Tchecoslováquia. Assim também aconteceu com a vila de Thomas Bata concluída em 1911, e desenhada por Jan KotEra. Ela foi confiscada em 1945 e retomada por Thomas J. Bata, filho do fundador da empresa abrigando hoje a sede da Fundação Thomas Bata. Vida e arte entrelaçadas! Só os nomes foram mudados... Uma história e tanto premiada no Man Booker Prize por sua beleza e simetria, disse The Guardian de maneira metafórica... Seria uma ironia ou um elogio?

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