só havia escuridão no quarto quando ele levantou da cama.
e um cheiro forte de insanidade também.
sentado, mãos passeando pela barba cheia, suspirou.
não se despediu dessa vida dormindo.
pena.
obrigado a encarar mais um dia.
mais um dia de dores.
mais um dia de desejos não realizados.
de sonhos distantes.
de ideias desprezadas.
de esperanças maltratadas.
pensou em ligar no 0800.
reclamar. direito dele.
mas deu preguiça.
levanta, toma banho, toma o café.
tenta não pensar nas coisas.
nos inimigos que vai abraçar.
nas hipocrisias que vão despejar.
na coleção de sorrisos que terá de tirar do fundo da gaveta.
tarde demais.
escova os dentes, escolhe a roupa, calça o all-star.
calça a culpa cotidiana que arrasta há anos.
o desânimo que encontrou na esquina e, com dó, trouxe pra casa.
deu até leite quente, pra ver se engordava.
gira a chave. chama o elevador. diz bom dia ao porteiro.
estufa o peito de uma coragem mentirosa pra caralho.
nesse meio tempo, clareia.
o que era escuridão dá lugar a um escandaloso sol matinal.
ao menos, do lado de fora.
porque, dentro, tá tudo opaco.
mexe no contraste, por favor.
o estado é de calamidade.
se vai melhorar?
ninguém liga.
coça a barba, pé depois do pé, segue a vida.
ninguém liga.
nem a mina do 0800.
Um comentário:
Sinto seus textos tão íntimos e ao mesmo tempo tão urbanos. E eles se bastam com o fim. Nem precisa da mina do 0800.
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