quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

solidão

desde pequena, solidão sonhava em ser professora - influência direta da mãe, distância, que lecionou durante anos e anos no colégio da cidade.
magrinha, cândida, áurea de paz e de sorriso sempre colado ao rosto (parecia ter nascido com ele), não tinha um (aluno, pai, professor) que não se encantasse por ela.
dava aulas aos pequenos - que, além das primeiras letras e operações matemáticas, descobriam os primeiros sintomas da paixão em sala de aula - claro, isso não constava no conteúdo programático.
e não só os meninos. as meninas também.
não sabiam se era a saia sempre no joelho, que escondia as coxas (era um exercício de imaginação delicioso fazer a imagem do corpo da solidão por baixo dos panos), mas sempre deixava marcar a bunda ao virar-se de costas para a classe.
talvez fossem as blusinhas, meigas, disfarçando os seios perfeitos, mas que pareciam implorar para ser arrancadas do corpo de imediato.
quem sabe a fala mansa, parecendo sussurrar "me deseje" a cada bom dia ou mesmo pedido de silêncio.
poderia até ser o jeito de olhar, castanho, direto, desconcertante, a fuzilar concentração - eu juro, tinha gente que desviava o rosto para não ser atacado por um desses e cair na armadilha desse amor, platônico e impossível, mas sem volta.
não sabiam.
o que se sabia é que todos se apaixonavam por solidão.
e solidão não dava bola pra ninguém. ninguém mesmo.
à boca pequena, corria que um amor juvenil trouxe lágrimas demais. a partir desse dia, solidão resolveu se dedicar apenas ao trabalho. nem bicho de estimação ganhava mais o coração da jovem professora.
agora, as lágrimas vinham das crianças, com o final do ano letivo.
todas apaixonadas. todas querendo vivenciar, no auge de uma inocência doce, fagulha do bem-querer da professora.
que ria.
solidão achava graça dos presentes, das declarações nas provas e trabalhos, nas cartinhas colocadas à mesa durante o recreio, dos pequenos que faziam questão de serem reprovados para continuarem ali por mais um ano.
não se abalava. nunca. o mesmo jeito cândido. o mesmo sorriso.
todo ano era assim. ao soar do sinal da entrada, é hora de se apaixonar. ao soar do sinal do fim das aulas, cada um leva consigo um pouco da solidão.
é o dever de casa.

5 comentários:

Ana Alice disse...

acho que fiquei de castigo depois da aula... rs... lindo texto! bjs

Janaina Fainer disse...

bom ver vc

Marília Silveira disse...

Belo post Thiago!
Encantador!

Um abraço!

Rosa Bertoldi disse...

Adorei o texto, Thiago!
Rosa

Anônimo disse...

Demais. O monstro do niilismo fofo continua craque nas tragédias do coração. Adoro.