sábado, 9 de maio de 2009

Uma banheira... kitsch

Todos os filhos devem ser tratados igualmente, diz a Torá. Tudo culpa dos filhos de Jacob, pois movidos pela inveja venderam José como escravo aos egípcios. Qualquer dia, eu explico essa história. Vamos ao que interessa. O pensamento aparece aqui relacionado com a construção da minha casa. Uma novela, dirão os leitores. Mas essa passagem merece ser discutida com vocês porque para mim tornou-se um problema existencial. Tenho um casal de filhos. Não sei o motivo, mas o quarto destinado ao rapaz acabou ficando menor. Para compensar decidi que os dois banheiros seriam iguais, pois não consigo deixar de ser mãe e judia. Conversa vai, conversa vem e meu marido alertando para o fato do local ser pequeno demais para comportar uma banheira. Mas, acabei instalando-a. Quando vi o resultado chamei sua atenção dizendo: você bem poderia ter sido mais enfático em suas observações. Filosoficamente afirmou: jus uti et abuti. Resquícios de seus tempos de São Francisco, onde aprendeu direito romano. Traduzindo a resposta foi mais ou menos essa: apropriação do objeto, caracterizada pelo direito de uso e abuso. Porém, o tom era outro: coisa de novo rico. Frase repetida para o arquiteto Carlos Ferreira na primeira oportunidade, mas eu merecia isso, embora não sendo nem nova, nem rica.
Kitschen é a palavra alemã para atravancar, daí para kitsch é um pulinho.
Há uma gota de kitsch em toda arte, dizem os entendidos. A frase não me consola, pois se o kitsch é eterno, os momentos de pico estão ligados a uma situação social marcada pelo acesso à opulência. Não é meu caso, sou uma capricorniana simples em busca de conforto e praticidade. Acredito possuir um senso de humor apurado e ser clássica. Será?
A interrogação continuou martelando meu cérebro por um bom tempo e cheguei a seguinte conclusão: sou contemporânea. Portanto, dividida entre a cultura do excesso e o elogio da moderação. E o kitsch entra onde nessa conversa?
Bem, ele é um fenômeno social universal presente no dia a dia das pessoas, nos utensílios comuns e até em coleções de arte, mas precede e ultrapassa estes suportes, constituindo-se em estado de espírito cristalizado nos objetos. Kitsch é a banheira ou a atitude? Ambas, pois o kitsch opõe-se a simplicidade. A arte vive do consumo do tempo e da inutilidade. Nesse sentido o kitsch é uma arte, pois enfeita o cotidiano das pessoas com uma série de ornamentos decorativos e sem utilidade.
Para meu consolo descobri através de Gilles Lipovetsky que nossa época dita pós-moderna caracterizada pela emergência do supermercado e do preço fixo é... kitsch! E como tal tomou conta da nossa vida modificando o modo de viver, criando apenas cultura e arte. Para minha sorte faz parte do mundo dessa nova cultura um povo bem estranho. Gente que não considera crime de lesa-majestade relacionar um sofisticado texto de Eco ou Deleuze com o último videodisco de Caetano Veloso ou com um remix da Celly Campelo. Provavelmente eles também não vão se preocupar com a instalação de uma banheira em recinto tão pequeno. Gente como a gente. Dessas que com uma boa gargalhada se livra dos entraves e gafes sociais. Gente como eu não se importando com rótulos e vivendo plenamente esse momento neokitsch, imaginando-se vanguarda...

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