quarta-feira, 20 de maio de 2009

A receita do pop.




- “Atchin!!!!!!!!!”

Depois do quinto espirro, o argentino alto e careca que atendia novamente limpava o nariz com um lenço e voltava sua atenção a mim. Tentava fazer com que eu pagasse R$ 300,00 numa Parker 51 com uma tampa um pouco amassada se olhada com maior atenção. Fui saindo, mais com medo dos milhões de pequenos ‘influenzas’ possivelmente residentes de cada gotícula expelida por aquela narina enorme, do que por descordar do preço. Na feirinha do Masp, ia ser difícil encontrar outra mais barata.

A manhã fria de domingo, possível causadora da sinfonia de fungantes septos nasais, acabava por dar um charme especial às pessoas que caminhavam por entre as barracas na Avenida Paulista. Os termômetros marcavam aproximadamente 13 graus às 9 da manhã e o vento fazia a sensação térmica despencar. Aquecido por um cachecol e ainda com a língua ardendo devido à combinação de chocolate quente e pressa, vaguei por certo tempo entre as tendas, ora ladeado por faqueiros de prata, ora por cédulas de dinheiro cambojano, garantidas pelo vendedor como sendo do período do Khmer Vermelho. Ao fundo, uma multidão ia se formando na bilheteria do museu.

Num calmo e lento ziguezague fui aproximando-me da bilheteria sob o imponente e quase-curvo (!!) concreto projetado por Lina Bo Bardi.

- “O senhor poderia manter a fila rente à calçada?!”

Demorei para saber se o segurança estava a solicitar ou a determinar que eu procedesse como ele indicava. Na incerteza, e em silêncio, endireitei minha posição, indicando que, daquele momento em diante, a fila para compra de ingressos deveria ter-me como seu referencial. Um sentimento de orgulho brotou de minhas entranhas e faz com que eu me sentisse um farol para a massa que vinha chegando e se posicionando na fila. Todavia, uma certa misericórdia nasceu em mim ao ver aquele jovem segurança, que muito provavelmente não estava ainda acostumado com o trato de multidões, sempre mais condignamente tuteladas pelos vigilantes dos estádios de futebol e das estações de trem do Rio de Janeiro. Este devia estar precisando de um curso de reciclagem...

A evidente timidez do segurança era plenamente justificável. Pessoas e mais pessoas, famílias inteiras, chegavam a cada instante para se enfileirar à espera do ingresso para ver o material exposto pelo brasileiro radicado na Norte América, Vik Muniz. Aos desavisados, seria plausível a ocorrência de um show de rock ou a instalação, na calada da noite, de um shopping no espaço do museu.

Do lado de dentro e de baixo (já que a exposição estava na galeria do sub-solo) as pessoas caminhavam e se detinham diante de imensas impressões de imagens formadas por outras imagens, que remetiam, por sua vez, a outras imagens. No subtexto – e mais diretamente na parede, que ‘explicava’ uma por uma as séries de obras do artista – uma tentativa de fazer emergir dali uma oculta relação entre forma e conteúdo. A forma estava presente e o conteúdo, segundo uma frase posta entre aspas, estaria “dentro de cada um de nós”... Muitos expectadores desfocavam os olhos para poder ver alguma coisa que estivesse contida e oculta nos desenhos, num movimento de olhos típico dos míopes... Mas às vezes a tentativa era debalde.

Após alguns instantes de caminhada, pude ver as famílias saindo do museu, sorridentes, evidentemente felizes de terem podido ver um exemplo de arte que, de tão despretensiosa, pretende que seu auditório seja o verdadeiro artista, dando significado àquilo que estava sendo exibido. Felizes por terem visto obras de arte assépticas, cuja grande mensagem não passava de um “faça você mesmo”, tipicamente americano e quase protestante. Uma arte chapa branca... Uma arte que se mostrava a antítese da arte.... e por isso podia fazer regozijar aquela multidão que sairia dali e entraria no primeiro Shopping Center do caminho.


2 comentários:

Anônimo disse...

Observa-se no trato diário com que satisfação cada cidadão interpreta obras de arte, sempre no sentido da estabilidade do seu mundo, como demonstra Thiago. "A desconfiança contra os experimentos na esfera inteligível tem, portanto, origens sociais" (Bense). Mas nenhum incorreção vejo nisso, a menos que se venha ela a mostrar, à luz de novos enfoques. Fico contente quando vejo filas para conhecer novos trabalhos de arte.

Rosa Bertoldi disse...

Eu também...anônimo. Parabéns, Thiago!