O “branco”, o vazio criativo, é uma sensação desconfortável para todos que pretendem escrever, falar, fazer discursos, compor músicas... Em suma, todos que desejam ver e ouvir o ecoar das próprias idéias. Escrever é um exercício de vaidade e não um ato de bondade para com a humanidade como pretendem alguns candidatos a profetas. Para que possamos escrever precisamos de doses elevadas de autoconfiança e vaidade, mesmo que tudo esteja bem escondidinho sob uma aura de determinação contra a continuidade de um mundo iletrado. Minha descrença em bem e mal absolutos me impede de ver nesse exercício de prazer (e até de luxúria, talvez) que é a vaidade literária algo de negativo. O único perigo é que todo aquele que gosta do som da própria voz corre o risco de se tornar um grande chato.
Terapia em voz (ou caixa) alta à parte, tive hoje um desses momentos de total falta de interesse por mim mesmo. E como o universo continua girando mesmo quando nos achamos grandessíssimos idiotas, minha busca por um mote para estas linhas acabou por levar-me ao grande oráculo da afasia: a videolocadora.
O filme selecionado (ao qual acabo de assistir) fui um chute na nuca, com bota de biqueira de aço. Não por ser desinteressante, mas por ser denso, pesado, daqueles que afundam em uma piscina de parafusos. “O leitor”, com Kate Winslet e Ralph Fiennes, pareceu-me um dos filmes com os diálogos mais bem elaborados que tive a oportunidade de ver. Podem acreditar em mim quando digo que não gosto de ficar indicando filmes, mas este vale a pena. Não pretendo falar do filme. Vou apenas mencionar uma sensação, uma dúvida, que pipocou em minha alma nos 123 minutos bem empregados.
Para não prejudicar eventuais telespectadores da obra, digo apenas que no filme acaba emergindo a questão da culpa e do tempo. Ou melhor, da culpa humana no tempo. Em outras palavras: até que ponto pode-se punir alguém por atos cometidos à muito tempo. Veja-se que esta questão (que em linguagem técnica jurídica tem o nome correlativo de “prescrição”) está intimamente ligada à questão do “ser” no “tempo”, trabalhada por Heidegger.
Evidentemente, não pretendo discorrer sobre filosofia alemã do entreguerras e nem sou capacitado para tanto. Meu objetivo se resume a expor essa angústia da construção do ‘humano’ no tempo que lhe é dado e suas inevitáveis conseqüências. Até que ponto somos os mesmos e quanto podemos mudar? Até onde vai a essência do homem e quanto a vida nos molda? Como vêem, não se trata de afirmações, mas de dúvidas.
Para aqueles que eventualmente comigo dividirem essa angústia, parte metafísica, parte heideggeriana, indico um breve conto, escrito pelo gênio Jorge Luis Borges. O título do conto é “O outro” e está editado em português em “O livro de areia”, última coletânea de textos publicada por Borges antes de sua morte. Qualquer explicação sobre o conto fica por conta do próprio autor, não cabendo a mim quaisquer reduções ou explanações. Aos interessados, segue abaixo um link para uma página em que se encontra o conto por inteiro.
Abraços.
http://luizfelipecoelho.multiply.com/journal/item/400/O_outro_Jorge_Luis_Borges
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