quinta-feira, 30 de julho de 2009

dor

a dieta era rígida: pão-que-o-diabo-amassou, água do boteco da esquina e preces à vontade - aproveita e enche o prato fundo.
fazia isso para manter o corpo em forma.
não tinha instrutor nem fazia academia. muito menos comprava revista de gente marombada, auto-ajuda anabolizante e vazia.
se cuidava sozinho. autodidata.
no dia das compras, entre a imensidão do mar de angústias, à escolha como que expostas em prateleira de supermercado, sempre surgia uma nova dor.
lançamento. promoção. leve quatro, pague três. oferta especial para o cliente.
pegava aquela que mais salivava a boca. escondia embaixo da camiseta e corria. maratonista do destino.
a roupa era de missa. os domingos, de sargeta.
as vontades, aeróbicas, se alternavam, iam e viam feito putas na passarela, desfilando libidos, oferecendo falsos prazeres.
os desejos, artigos de luxo, trancavam-se feitos obra de arte. obedeça o horário de visitação, por favor.
sonhos? deuses romanos presentes só nos livros de história - e ele não sabe ler a nova ortografia.
sol a pino, chuva ladeira abaixo, piada repetida.
só abandonava a rotina bulímica em noites de lua estrelada.
nesses dias, entre ofensas, maldições, lágrimas e pesares, sorria - com cara de bobo, até.
mas de lado, rápido, curtinho... tinha vergonha.
tinha medo de se acostumar a ser feliz.
e felicidade, como todos sabem, não combina com roupa de missa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Sumi mas aqui estou... Sem novidades, aproveitando muito e curtindo as noites mais insólitas que já pude imaginar.
AMO a Cidade do México... Detesto Cuernavaca onde moro... Isso nao muda nada o quanto estou feliz por aqui...
Vou escrever coisas curtas porque nada de tao importante tem acontecido. E nao tenho nenhum texto que valha a pena...
Mentira: acabei de ler um desses Best Sellers americanos que sao traduzidos para o mundo todo, deixado pela minha mae durante sua estada: A Cabana... e foi bom... é bom ter algo que te faça pensar em Deus.
Preciso de dicas de livros... Aliás, dicas nao... ja tenho um na Lista. Vou ter de ler Paulo Coelho porque o filme Veronika decide morrer foi filmado com a Sarah Michelle Geller e nao vou poder perder... e como todo livro que vira filme, temos de ler prá criticar o filme...

Enfim...como podem ver, um pouco de nada no meio de nada... Fico por aqui..

Salutti!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Depois de seis dias da mais absurda loucura –(fiquei em pé, em cada um deles, umas 18 a 20 horas- e quando deitava continuava acordada), tive uma noite bem dormida.

Sem despertador acordei tarde. Plena de felicidade fiz o “petit déjeuner des princes” como recomenda a tradição. À mesa, olhando a garoa, lambiscando, repetindo o cafezinho, de chinelos, com preguiça e sem nada na agenda, talvez possuída por uma entidade hedonista comecei a filosofar sobre o prazer de tomar e sentir o perfume do chá, a importância do calor do café com leite ou do cafezinho básico, acompanhado por um cascudo pão com manteiga e de quão feliz é quem tem uma xícara quente para encostar os dedos, nas manhãs geladas. Reconheçam que isso é altamente filosófico.

Pensar sobre como teria surgido a manteiga, quando o homem começou a tomar leite no café da manhã, e sobre nossa (ou minha, porque de mim eu sei, de vocês não...) ignorância a respeito das mais corriqueiras coisas que nos cercam foi um pulo.

Cultura de almanaque ou não, o pai dos burros contemporâneo não poderia escapar às indagações. Santo Google deu-me algumas respostas. Se confiáveis ou não já é outra etapa.
Quem também tiver curiosidade leia, quem souber de outra versão, “faça um blogueiro feliz” e coloque seu comentário.

O pão
Produzido pela primeira vez, pelos povos que habitavam a região onde agora é a Suíça (aldeias palafitas), por volta de 10.000 a.C. era feito com glandes de carvalho e faia trituradas, lavado com água fervente para tirar o amargor. Essa massa secava ao sol. Daí vieram as farinhas de diversos cereais, que antes de servirem para fazer pão, eram usadas em sopas e mingaus.

Posteriormente passou-se a misturar nas farinhas mel, azeite doce, mosto de uva, tâmaras esmagadas, ovos e carne moída, formando bolos, que teriam precedido o pão propriamente dito. Eram cozidos sobre pedras quentes ou sob cinzas. Os egípcios, primeiros a usar fornos, também descobriram que o acréscimo do fermento à massa do pão poderia torná-la leve e macia, em 4000 aC.

O pão pagava salários, no Egito, onde camponeses ganhavam três pães e dois cântaros de cerveja por dia de trabalho. O sistema de fabricação era muito simples – pedras moíam o trigo que era adicionado á água e formava uma massa mole. Esse processo foi mostrados em pinturas encontradas em tumbas de reis que viveram por volta de 2.500 a.C.

Quanto à manteiga presume-se que, juntamente com a coalhada, tenha surgido ainda na pré-história. Foi usada pelo povo sumério, na Mesopotâmia, para cozinhar, desde 3000 AC como atestam algumas placas gravadas por eles. Sua utilização na cozinha faz parte da raiz cultural de diferentes povos. Na Índia,por exemplo, a ghee ou ghi (manteiga clarificada) está diretamente associada à mitologia e ao deus Prájapat. O ghee é um Rasayana, alimento rejuvenescedor e regenerador- tonificante que aumenta a força e a expectativa de vida. Na Rússia, o final do Inverno é comemorado com o festival da manteiga (Maslyanitasa). No Marrocos, onde a Smen é símbolo de riqueza é muito apreciada em todos os dias festivos. Ela foi introduzida na Península Ibérica pelos celtas e seu nome parece derivar do sânscrito manthaga.

O leite? O homem é um animal mamífero e toma leite desde sempre, através da maternidade. O fato de algumas mulheres não produzirem leite, levou-as a utilizarem leite de outros animais e isso ainda na pré-história. Juntar café foi um requinte surgido nas regiões leiteiras da Europa para obter a energia do café e o alimento do leite mas a reinvenção surgiu na Itália, com o cappuccino. Seu uso se espalhou para a Ásia, Américas e Oceania com o neocolonialismo.
No Brasil, nas áreas rurais, onde o processo do cappuccino não podia ser feito com facilidade, pela falta do chocolate, os colonos misturavam o leite integral das vacas com o café passado. Isso se perpetuou nas cidades pequenas e com o tempo várias pessoas foram se habituando com o café com leite, mais barato e fácil de fazer.

É, o Sérgio Porto escreveu o Samba do Crioulo Doido e eu escrevi isso aí... Se gostarem, na semana que vem publico mais.

domingo, 26 de julho de 2009

Cante

Já publiquei esse texto em outro blog mas adoro e continuo achando o máximo, abaixo está o vídeo do YouTube, a tradução é bem tosca então vale a pena dar uma lida em inglês mesmo.



Everybody's Free (to wear sunscreen)
Mary Schmich - Chicago Tribune

"Ladies and Gentlemen of the class of '97... wear sunscreen.
If I could offer you only one tip for the future, sunscreen would be IT.
The long term benefits of sunscreen have been proved by scientists whereas the rest of my advice has no basis more reliable than my own meandering experience.
I will dispense this advice now.
Enjoy the power and beauty of your youth. Never mind. You will not understand the power and beauty of your youth until they have faded. But trust me, in 20 years you'll look back at photos of yourself and recall in a way you can't grasp now how much possibility lay before you and how fabulous you really looked.
You are NOT as fat as you imagine.
Don't worry about the future; or worry, but know that worrying is as effective as trying to solve an algebra equation by chewing bubblegum. The real troubles in your life are apt to be things that never crossed your worried mind; the kind that blindside you at 4pm on some idle Tuesday.
Do one thing every day that scares you.
Sing.
Don't be reckless with other people's hearts, don't put up with people who are reckless with yours.
Floss.
Don't waste your time on jealousy; sometimes you're ahead, sometimes you're behind. The race is long, and in the end, it's only with yourself.
Remember compliments you receive, forget the insults; if you succeed in doing this, tell me how.
Keep your old love letters, throw away your old bank statements.
Stretch.
Don't feel guilty if you don't know what you want to do with your life. The most interesting people I know didn't know at 22 what they wanted to do with their lives, some of the most interesting 40 year olds I know still don't.
Get plenty of calcium.
Be kind to your knees, you'll miss them when they're gone.
Maybe you'll marry, maybe you won't, maybe you'll have children, maybe you won't, maybe you'll divorce at 40, maybe you'll dance the funky chicken on your 75th wedding anniversary. Whatever you do, don't congratulate yourself too much or berate yourself, either. Your choices are half chance, so are everybody else's. Enjoy your body, use it every way you can. Don't be afraid of it, or what other people think of it, it's the greatest instrument you'll ever own.
Dance. Even if you have nowhere to do it but in your own living room.
Read the directions, even if you don't follow them.
Do NOT read beauty magazines, they will only make you feel ugly.
Get to know your parents, you never know when they'll be gone for good.
Be nice to your siblings; they are your best link to your past and the people most likely to stick with you in the future.
Understand that friends come and go, but for the precious few you should hold on. Work hard to bridge the gaps in geography in lifestyle because the older you get, the more you need the people you knew when you were young.
Live in New York City once, but leave before it makes you hard; live in Northern California once, but leave before it makes you soft.
Travel.
Accept certain inalienable truths, prices will rise, politicians will philander, you too will get old, and when you do you'll fantasize that when you were young prices were reasonable, politicians were noble and children respected their elders.
Respect your elders.
Don't expect anyone else to support you. Maybe you have a trust fund, maybe you'll have a wealthy spouse; but you never know when either one might run out.
Don't mess too much with your hair, or by the time you're 40, it will look 85.
Be careful whose advice you buy, but, be patient with those who supply it. Advice is a form of nostalgia, dispensing it is a way of fishing the past from the disposal, wiping it off, painting over the ugly parts and recycling it for more than it's worth.
But trust me on the sunscreen."

sábado, 25 de julho de 2009

Nada do que foi... será...

As idéias transformadoras sempre aparecem disfarçadas. Em uma palestra sobre os meios de comunicação e o nosso dia a dia notei maravilhada que uma parcela, dos participantes, encontra-se em crise de percepção. Existe um desejo por alterações fundamentais nos valores vigentes. Estudos sociológicos comprovam esse anseio. Entretanto é diferente quando você se depara com esses indicadores tão perceptíveis em pessoas sentadas ao seu lado. Em seguida, uma amiga falando de algumas mudanças em sua maneira de agir concluiu dizendo: sou criativa e ponto final... Na verdade, ela estava fazendo o Manifesto da Pessoa, uma declaração do seu soberano direito de auto-descoberta e auto-afirmação. Passei por isso há muitos anos atrás, embora essa metamorfose tenha acontecido de forma quase subterrânea. No meu caso foi um livro “A Conspiração Aquariana” de Marilyn Ferguson, uma jornalista norte-americana. A autora falava de uma rede de intelectuais agindo e provocando modificações no mundo. Alguns estavam destruindo elementos-chave do pensamento ocidental e rompendo com a continuidade da História, afirmava ela. Às vezes, as idéias transformadoras podem aparecer também no formato de um inofensivo compêndio, pensei. Do meu ponto de vista, o antigo modelo não funcionava mais. Ao mesmo tempo que, o livro respondia às minhas indagações, uma silenciosa revolução teve inicio no meu cotidiano. A crise por mim vivida era grande e de dimensões intelectuais, morais e espirituais e me acompanhava desde a graduação. Passou? Não passou, foi amenizada com a ajuda de um médico que antes de pedir testes de laboratório ofereceu calor humano e auxílio. O paradigma dessa medicina – a homeopatia – está na busca de causas, pois a mente é o fator primário nas doenças. Bem-estar não será ministrado às colheradas, ele vai emanar de uma matriz: o corpo-cérebro. O referido médico foi assunto de nossa conversa. A minha amiga disse: o doutor estava certo. Eu respondi: essa é a pior parte. Ele sempre tem razão ao afirmar que os seres humanos estão atravessando uma crise mundial complexa. Ela afeta a saúde, a economia, a tecnologia, a política, o modo de vida, a qualidade do meio ambiente e as nossas relações sociais e afetivas. Verdade...
A humanidade passou por grandes modificações, porém, esse momento não tem precedente. Estamos nos defrontando com a possibilidade de extinção da raça humana e da vida no planeta. Além da poluição atmosférica, a saúde está ameaçada pela água e pelos alimentos contaminados por produtos químicos tóxicos. São problemas intimamente relacionados e interdependentes.
Fritjof Capra citou a frase do I Ching em seu livro O ponto de mutação: ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. Há movimento, mas este não é gerado pela força... ele é natural, surgindo de forma espontânea. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo introduzido.
Os seres humanos estão vivenciando alterações que tanto poderão harmonizar o mundo como destruí-lo. Até a pouco tempo, normas e hábitos culturais eram pressupostos não questionáveis norteando vidas, porém, costume é como nevoeiro, sempre se desfaz. Está acontecendo agora: depois da tempestade – de 1968 – são visíveis os contornos de uma nova postura cultural. Modelos como casamento, família, sexualidade, além das instituições sociais e políticas foram abalados. Mesmo não existindo formulas para introduzir mudanças, a resposta aparecerá através da atitude para solucionar os problemas mais urgentes. As idéias transformadoras estão em nossas cabeças e a chave das mutações em nossas mãos. Como Caetano está na hora de cantar: nada do que foi... será...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Uma (verdadeira) história do sertão de Pernambuco em pleno ano de 2009

Raimundo chegou cambaleante à entrada do bar de Seu Adamantino. A visão embaçada e o coração disparado fizeram sua mão vacilar ao se apoiar no trilho de metal sujo de graxa e areia da porta de ferro, exigindo um esforço ainda maior para que o corpo se elevasse sobre o degrau e, pé ante pé, chegasse ao balcão, no qual, com a cabeça rodando, ele suavemente colocou o facão ensangüentado. Minutos antes ele havia dali saído após entornar cinco doses de cachaça e não pagar a conta.

Josias, pastor da Igreja, em vão gritava a plenos pulmões tentando impedir a pequena multidão, liderada por Gilberto Jurema, que se organizava para ir atrás de Raimundo e cumprir seu objetivo. João Batista, atendente do posto de gasolina, noticiou à turba armada de foices que ele havia passado por ali, primeiro vindo de sua casa, andando rápido e falando sozinho, caminhando em direção do boteco de Adamantino, e que depois de algum tempo havia retornado, já meio de zigue zague, em direção à sua casa. Não teve coragem de informar que Raimundo já estava de volta ao bar, dessa vez todo manchado de sangue e quase não parando em pé.

A jovem Maria de Lourdes ouvia ao longe os gritos do povo que ia se aglomerando, sem saber ao certo o que estava acontecendo. Faltava-lhe coragem para retornar à casa. Raimundo já lhe havia desferido dois socos, um na cara e um no estômago, horas antes, além de tê-la ameaçado com uma espingarda. Ela fugiu e se escondeu atrás do barracão da oficina dos caminhões de transporte de cana. Ali ficara durante duas horas, chorando em silêncio, sem poder imaginar que o ódio de seu companheiro fosse atingir os limites da sanidade – conceito pouco compreendido por estas bandas.

A vizinhas de Raimundo e Maria de Lourdes continuavam paradas mirando o charco de sangue defronte à casa. Elas sabiam, mais por instinto que por entendimento, que aquela barbaridade que estavam a ver não estava certa.

Foi Gilberto Jurema que, mesmo com o braço ferido e ensangüentado, adentrou ao bar e derrubou, com um único golpe, Raimundo, fazendo-o lamber o chão de terra batida. Depois o serviço ficou a cargo da multidão que, sem enfrentar qualquer resistência do já resignado Raimundo Ribamar Fernandes, levou-o, arrastado, até a porta de sua casa.

Maria de Lourdes, do alto de seus 17 anos de vida, venceu o medo ao ouvir o som das vozes ao longe gritando xingamentos e blasfêmias contra Raimundo e saiu em disparada, ainda desesperada, tomando o rumo de casa. Ao ali chegar e perceber a desgraça, sentiu o corpo amolecer e caiu, a alguns metros do limite da poça de sangue. A visão, turva de pânico, a impediu de ver o momento em que Raimundo Ribamar Fernandes, de 23 anos, foi linchado, sem resistir, a golpes de facão e enxada, por uma multidão descontrolada. Seu sangue aos poucos encontrou a outra mistura de sangue e terra, de seus filhos, um de dois anos e outro de oito meses, que há pouco haviam sido por ele mortos, também a golpes de facão. O motivo, segundo depois afirmaria a jovem esposa-viúva e sem filhos à delegado, fora ela ter se negado a servir a seu marido naquela tarde de julho, no sertão de Pernambuco.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

HOMEM MORA EM PAREDE


"Na Rua Luis de Camões, Centro do Rio, onde milhares de pessoas passam todos os dias sem notar o que acontece à sua volta, surge uma irreverente moradia. Na parede lateral de um casarão um homem montou um cômodo com a rede pendurada, móveis colados na parede e uma decoração especial, alterando a paisagem do local e chamando a atenção de todos os transeuntes." http://curiosidadesnanet.com/

Arte? Desastre?

Humor?

Há requinte no fonógrafo, no dossel, nas cores.

Quem é ele? Um artista? Um misógino?

Certamente não um misóssofo, se não, por que os óculos? Onde guardará os discos? Serão de vinil ou da velha goma laca, usada nos 78?

Não vi tomada... estarãoas músicas em sua memória?...

Vi ontem, no Fantástico, um cego de nascença que pinta paisagens que, obviamente, nunca viu e desenha com perspectiva.

O mundo é fantástico, nossa imaginação infinita, os dons inimagináveis, nosso cérebro maravilhoso e misterioso... e assim nós vamos vivendo.

E o amigo? Já ouvi donas de casa impecáveis (as casas e as donas) se desculparem pela bagunça, nesta casa não há. Quem toparia viver ali? Ele poderia ter um cachorro? Um gato sim. Dormiria com ele ou na banqueta? Ou o homem daria a cama para o gato e ficaria na rede?

Quem tiver opinião, por favor dê.



domingo, 19 de julho de 2009

Idos, lidos e ouvidos

Mais um motivo pelo qual eu gosto da Clarah Averbuck...

Refluxo de Coração

"No começo funcionou. Eu tinha que tentar. E funcionou, funcionou mesmo e eu jurei que, além de você estar morto, meu período de luto havia acabado. Experimentei dias de alegria e algo que posso quase chamar de felicidade. Ou posso mesmo, porque felicidade é isso aí: os vinte e sete segundos antes do teto desabar na sua cabeça. Um dia eu acordei e não estava mais lá. Nem eu, nem ele, nem nada daquilo que eu já estava julgando meu presente. Só tinha você. Você de novo. Você naqueles dias castos. Você naqueles dias sujos. Você naqueles dias de paranóia, nos dias de cortina fechada, nos dias tão perto do fim, quando eu ainda acreditava. Fechei os olhos cheios e te desapareci. Pensei, seu filho da puta, sai da minha casa, sai do meu quarto, volta pro seu novo velho mundo, me deixa quieta, me deixa aqui, me deixa, me deixa. Foi tão fácil me deixar, então me deixa de novo. Dormi assim, de manhã cedo, os olhos apertados e os dentes cerrados. Não sonhei. Quando acordei, você tinha me obedecido. Mas agora eu sei que você vai voltar. Eu não quero ter mais um fantasma, eu não queria, eu não quero. Vinte e sete segundos. Timeout blues. Eu tinha esquecido que era assim. Mas é assim que é."

E Julian Casablancas, AKA, o D'us máximo que fez o bom e velho rock and roll renascer em forma de Strokes, está preparando um disco solo, e o teaser já é melhor do que MUITA coisa que está por aí. Salve Casablancas!



sábado, 18 de julho de 2009

Apocalipse brasileiro

Dia desses vi um filme de titulo Apocalypto, cujo roteiro é de Mel Gibson. Trata-se de uma metáfora empregada em relação a um fato ocorrido antes da descoberta da América. Apocalipse é o termo usado para designar uma revelação teológica. Embora diversos textos tenham sido escritos sobre esses acontecimentos futuros, em geral, a referência é feita ao livro de João Evangelista. O filme possui uma beleza plástica imensa. O trabalho foi realizado no México e conta uma história referente aos maias. Essa civilização possui uma rica história de 3000 anos e contrariando a crença popular eles não desapareceram. Muitos vivem na mesma região e falam um dialeto da língua original. Os maias desenvolveram um império baseado na agricultura e no comércio do jade, do cacau, do sal e da obsidiana, uma espécie de vidro vulcânico. Os monumentos mais notáveis são as pirâmides e os palácios. Sua arte é considerada como a mais sofisticada e bela do Novo Mundo antigo. No centro das cidades existiam grandes praças rodeadas por edifícios governamentais e religiosos. Possuíam uma escrita combinada com elementos fonéticos e ideogramas. Foi designada de hieroglífica por sua vaga semelhança com a do antigo Egito. Os livros tinham páginas semelhantes a um cartão, feitas de um tecido sobre o qual aplicavam uma película de cal branca. Aí eram desenhados e pintados os caracteres e ilustrações. Mel Gibson mostra uma pequena tribo maia em estágio neolítico, vivendo em uma floresta tropical perto do mar. No decorrer do relato vamos percebendo que eles estão sendo explorados e dizimados pelos próprios maias, uma sociedade em decadência, antes mesmo do contato com os descobridores europeus. O jovem índio, herói do filme, é feito prisioneiro e consegue fugir impelido pelo amor devotado à sua família. Como conta a história, os maias – podres e corrompidos por dentro – acabaram como civilização.
Apocalypto nos remete as questões escatológicas do livro canônico de João. Os cavaleiros do Apocalipse são: fome, peste, morte, guerra, presentes no filme e no nosso dia a dia. Basta voltar à atenção para Brasília e lá estão: a fome pelo poder, a peste da corrupção, a morte da ética, a guerra suja pela permanência em qualquer cargo, da presidência do Senado a faxineiro do mesmo prédio. Esses “homens exercem seus podres poderes” corrompendo e sendo corrompidos, roubando e sofrendo chantagem, como o empresário do sexo em São Paulo ameaçando políticos com dossiês ilustrados, enquanto a população fica indiferente em relação à incompetência e ao mau procedimento do governo. Tal e qual a sociedade pré-colombiana, a brasileira vive o momento de triunfo do embuste. Assim como a cúpula maia, a política nacional chegou a seu nível mais baixo deixando de ser um embate de idéias e projetos para tornar-se uma disputa de poder ou um balcão de negócios. Lá e cá com anos de diferença tudo é igual. O objetivo dos maias era a construção de pirâmides, a meta no Brasil é mobilizar e financiar grupos por intermédio do Estado. Ambas as civilizações conjugando o verbo barganhar. As denúncias de corrupção ativa e formação de quadrilha deveria ser motivo de apreensão no Palácio da Alvorada. Mas, como todos os ministros do Supremo são nomeados pelo presidente é de se esperar que tudo acabe em “pizza”. Analisando os acontecimentos eu pensei: assim como os maias, os brasileiros vão acabar sob o domínio surreal da ilusão, da loucura, das sombras obscuras e do horror.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

quinta-feira, 16 de julho de 2009

inferno

momento tensão pré-inferno astral.

os pingos nos is escorregam. as rimas maltratam os ouvidos. as palavras certas não ganham forma.

peço desculpas.

vou tentar ser feliz e já volto.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Os insurgentes e a polifonia urbana

Considero-me um leigo em matéria de crítica artística. Contudo, a falta de conhecimento ‘formal’ sobre determinado assunto jamais me fez deixar de palpitar diletantemente sobre um pouco de tudo que há no mundo. E é com esta ousadia dos amadores que digo que tive, dia desses, contato com uma intervenção urbana que conseguiu de mim o que muita obra de arte ‘de verdade’ não conseguiu: o mais sincero espanto. Tratava-se da amplamente noticiada instalação, no canteiro central da Avenida Nações Unidas, em Bauru, de vários cabides com roupas em bom estado de conservação, limpas e passadas, acompanhadas de um cartaz onde se lia: “Ajude se puder. Retire se precisar”. Mesmo com o posterior aparecimento dos “responsáveis”, minha reflexão não cessou, tendo persistido um eco que agora me proponho a dividir com os eventuais leitores.
Tenho para mim que um dos atributos da verdadeira obra de arte é a dificuldade de se reduzi-la a um denominador comum. A obra de arte bem sucedida – ou seja, a que atinge o espectador – causa uma reação em cadeia de pensamentos, e isso somente pode ser (re)expressada por meio da linguagem poética, sendo a narração linear – própria do texto jornalístico ou documental – pobre e incapaz da transmissão de sensações. Por tal motivo se dá essa nossa dificuldade em interpretar as ‘intenções’ do artista. A obra de arte não necessariamente é ideológica (o que até poderia facilitar sua interpretação) e, por isso, não está sujeita a uma única compreensão, não havendo uma dicotomia entre certo e errado nas sensações da arte. Uma vez instalada (pintada, construída, redigida) ela se torna propriedade do éter universal, cabendo a cada um de seus espectadores, leitores ou ouvintes sua compreensão.
A plurissignificação da arte bem como sua natureza insurgente são também responsáveis pelo mal estar que a obra muitas vezes causa no poder estabelecido, como se pôde ver no caso ocorrido na cidade de Bauru. Perguntado sobre o destino das roupas encontradas na área verde, o Secretário Municipal do Meio Ambiente Valcirlei Gonçalves afirmou não ter tal informação, aduzindo que a instalação de qualquer objeto, placa ou publicidade nas áreas verdes da cidade precisam ser previamente autorizadas pelo poder público, o que no caso não teria acontecido. Para que tal intervenção tivesse sido ‘legal’, portanto, uma série de percalços burocráticos deveriam ter sido superados, como a apresentação de um projeto à secretaria da cultura e meio ambiente, a identificação dos artistas, e uma ‘sinopse’ dos objetivos da obra, além de um croqui da instalação. Só faltava pedirem um laudo dos Bombeiros. Em resumo, a obra de arte (considerada como a exortação à sensibilidade) e o Estado (considerado como o império da razão) são imiscíveis. Onde um estiver, o outro não estará.
A idéia de legalidade (conceito chave para a compreensão desta incompatibilidade entre a arte e o Estado) pressupõe uma univocidade que é totalmente inexistente em qualquer palavra ou frase. O exemplo da palavra ‘manga’ é auto-explicável: não sabemos se se está a falar de uma parte da roupa ou do fruto de uma árvore. Não obstante, a univocidade é o grande objetivo da lei, tenha esta lei o condão de impedir que os homens se matem uns aos outros, tenha a lei o único objetivo de impedir que pessoas agridam a natureza pendurando coisas em áreas verdes públicas. Não há previsão legal para a instalação de obras de arte com o objetivo de impactar a mente dos transeuntes. E aí reside a incompatibilidade: o Estado é a tentativa de redução das contingências pela previsão legal dos atos (univocidade), enquanto a arte tem que ser um choque inesperado (plurissignificação).
Todavia, muito embora possamos identificar os motivos da dificuldade de convivência entre o Estado e a arte, não podemos esquecer que a interpretação da lei sem que se tenha em mente o indivíduo e a sociedade pode causar desgraças. Basta lembrarmos das afirmações de Adolf Eichmann quando de seu julgamento em Jerusalém no ano de 1961, quando sustentou, todo tempo, que não poderia ser punido por seus atos, uma vez que apenas teria realizado o que a lei alemã lhe ordenava que fosse feito.
Parabéns aos insurgentes de Bauru.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

ELO

Durante anos, sentada ao lado da mãe dócil, amorosa e silenciosa, tentou manter diálogo. Chegava sorrindo, relatava os acontecimentos da noite anterior, do dia, falava, falava, tentando manter a frágil figurinha que há tempos fora a fortaleza da família, desperta para o dia-a-dia. Ás vezes conseguia, geralmente não.

As tentativas, não poucas vezes, tiveram como resultado apenas um olhar vazio, distante, ausente. Mas ela não desistia. Dia após dia, mês após mês, anos e anos, repetia-se a cena ao entardecer.
Buscou ajuda quando sentiu-se fraquejar. Não podia, não queria que sua amada mãe sofresse. Precisava mantê-la viva, informada, atenta, mesmo que ligada por um fio à realidade. Percebia claramente quando o assunto interessava pelo olhar atento, o sorriso esboçado no rosto delicado e rosado ou pelo movimento tênue das mãos de pianista. Se a conversa não interessasse os olhos moviam-se para o teto, acompanhados de suspiro impaciente. Depois fingia dormir.

Sentadas lado a lado rezavam a Ave Maria no final da tarde, costume antigo dos católicos, viam novela ou a mãe dormia na poltrona até ouvir "boa-noite, querida!"sussurrado pela filha junto ao seu rosto acompanhado de um beijo. Só então concordava em ir para a cama.

Quando muitos dias de mutismo e alienação sucediam-se, a filha sentia desespero. A mãe permanecia em sua caverna, em seu mundo de memórias. Executava peças fazendo rápidos movimentos num piano imaginário, sorria para seres que a circundavam e rezava expressando fervor na fisionomia. Nesses períodos olhava com cara feia para a filha e todas as tentativas de tocá-la resultavam infrutíferas, mãe permanecia impermeável, vitrificada. Abrir a boca para tomar sopa era o único sinal manifesto de seu contato com o mundo material.

A filha buscou ajuda profissional. Sentia-se vacilante, sem vontade de dar seu plantão amoroso ao lado da mãe, desanimada. Foi aconselhada a fazer alguma coisa manual, laborterapia, que ajudaria a mantê-la calma e ocupada estando sentada ao lado da mãe sem sentir-se desconfortavelmente inútil.

Competência não tinha mas muniu-se de lãs coloridas e agulhas para fazer tricô. E fez os pontos simples que a mãe ensinara quando ainda era uma criança. Só conseguia fazer quadrados.
Foi o remédio perfeito. Antídoto para o tédio que permitia também dar vazão à sua fantasia e criatividade na hora de escolher as cores. Levava para casa da mãe as lãs mais coloridas que encontrava e fazia quadrados. Ia enchendo sacos.

Quando a mãe faleceu, vendo os sacos cheios de quadradinhos classificou-os como problema para resolver depois. Coisas muito importante estavam à frente. O tempo passou e o saco esquecido permaneceu num canto com outros guardados. Lembrou deles ao saber do neto.

Numa tarde, quando com ritmado movimento unia com seus pontos de crochê os velhos quadradinhos coloridos, há anos guardados num baú, foi atingida por um raio de compreensão. Inundada de ternura percebeu-se elo entre gerações. Incontidas lágrimas nutriram-na e em prece agradeceu o privilégio de ter essa leve percepção do mistério da vida.

Esse metrônomo marcado pela confecção dos pontos, que acompanhara a partida da mãe marcava agora o tempo de expectativa pela chegada de Pedro.

Os quadradinhos guardados no fundo de um gavetão, esconderam-se das doações, da fúria/necessidade de se desfazer das dolorosas memórias e ficaram lá...

Pedro terá um lindo cobertor, todo colorido, feito com os quadradinhos de tricô fabricados pela vovó enquanto a bisa partia e ligados por crochê também pela vovó, enquanto sua chegada é tão esperada.

Totalmente plena de amor pensou: seja bem vindo, querido! Você gostará deste presente da vovó e da bisa.

domingo, 12 de julho de 2009

Do Passado

- Você já viu O Passado?

Frio na barriga, frio na espinha, frio...

O Passado é tudo. Livro lindo do também lindo, inteligente, simpático e intenso argentino Alan Pauls. Tive um momento paixonite por Alan Pauls total. O nosso Alan foi minha testemunha. Vimos juntos o filme, eu e meu Alan, porque O Passado é filme para se ver com quem sofreu lendo o livro por pelo menos um mês. O livro é bem gordinho e intenso. Doloroso.
Começa com o fim de um relacionamento de anos. Li certa vez que O Passado não é um livro sobre o fim do amor e sim um livro sobre a memória, sobre o que fica dessas histórias no nosso corpo, alma, coração... no livro, fotos, imagens desse amor são motivo de meses de sofrimento. Uma caixa cheia de imagens moribunda perdida num canto esperando por uma decisão. Decidindo se o amor de Rimini e Sofia realmente acabou ou não. Eles vão e voltam. O universo se encarrega de causar reencontros. E quando o universo não faz as vezes de cupido um dos dois o faz. Se é amor ou doença é uma dúvida que fica ao longo de quase todo o livro. Tesão e dependência. Deixar de beijar alguém, perder o "direito" de acesso ao corpo alheio é como abandonar uma dependência de anos. Ao longo dos capítulos de sofrimento e incerteza torcia horas para que Sofia morresse, horas para que Rimini fosse mais homem, horas para que um tsunami passasse pela Argentina e acabasse com o sofrimento deles e o meu. Indecisão. Incapacidade de amar. Incapacidade de deixar... Ah, gente, que loucura! O nosso Alan detestou Sofia. Eu tive medo. De Sofia. De ser Sofia. Sofia é assustadora. Será que eu sou meio Sofia?

- Você já viu O Passado? Foi a pergunta do outro lado da mesa e ela me deu medo.

Trailer do filme de Hector Babenco, que não é uma boa adaptação do livro.



sábado, 11 de julho de 2009

Tirando os sapatos... ou acolhendo o outro

Como vivo na cidade de Bauru, isso me impede de freqüentar uma sinagoga e discutir assuntos espirituais ligados à filosofia da religião. Vou aos eventos festivos e freqüento o Centro Cultural Judaico ou a Hebraica. Ao conhecer o padre Beto, percebi nele um praticante cristão próximo do judaísmo e procuro ouvi-lo sempre que surge uma oportunidade. Quando olho para ele penso na fortaleza que deve ser. Vejo nele o Muro de Lamentações de sua comunidade. E haja lamentos nesse mundo caótico!
Dei-lhe um livro de Nilton Bonder, e recentemente, padre Beto fez uma palestra sobre as idéias do mais conhecido líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil.
Padre Beto é o Bonder dos católicos, enquanto o rabino é o padre Beto do judaísmo. Ambos são filósofos e praticam uma religião ecumênica aberta aos ensinamentos da tolerância e convivência, tão necessários aos dias de hoje. Ambos são jovens e bons comunicadores. Ambos são escritores reconhecidos. O padre apaixonado por cinema e o judeu por teatro. Um dos textos do rabino surfista foi encenado com sucesso num teatro carioca. Convidado a aparecer nu em uma revista, deu como resposta um sorriso e um suave não, mas ao sugerir ao leitor que tire os sapatos, Bonder se revela “por inteiro, como que despido de qualquer proteção,” da mesma forma que o padre. Ele teve a coragem de expor idéias paralelas ou controversas em relação à religião perante um público ávido por qualquer deslize. A palestra foi ótima. Saí de lá com vontade de ir à missa para ouvir seus recados tão diretos e bem dados.
Deve ter gente se perguntando que livro é esse e criticando a ousadia... ela quer que o padre pense como um rabino? Mas, ele age como um, pode acreditar e isso o torna tão especial, deveria dizer tão humano? Ele está livre das convenções e do pré-estabelecido, disponível para ouvir até quem se diz ateu. Ao conhecê-lo percebi em sua crença uma ligação com os primórdios do cristianismo. A palestra é a comprovação disso, Torá versus Bíblia.
O livro de Bonder é um diário crítico da peregrinação do caminho de Abraão, de Haran onde ouviu Deus, até seu túmulo no Hebron. O rabino aproxima as religiões monoteístas através do termo: paralelismo histórico. O padre faz uma confluência interessante entre catolicismo e judaísmo. A travessia foi um projeto realizado pela universidade de Harvard agregando 24 pessoas dos diferentes credos atuais. A intenção declarada: tornar a região uma rota de turismo cultural, a mensagem sublinear: abrir mentes e corações para novos diálogos, fazer a alma abrigar o outro, seja qual for esse outro.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Fugas desejadas

Numa passagem de seu poema “O haver”, Vinícius de Moraes menciona um certo sentimento de “angústia pela simultaneidade do tempo”. Tenho para mim que esta angústia atinge muitos de nós em algum momento da vida. A noção de que podemos ser apenas um, único, com prazo de validade dentro deste invólucro corpóreo, pode ser visto como algo ultrage, dada a existência de inúmeros “eus” dentro de nossas cabeças, cada um destes com uma vida possível, um heterônimo em potencial. Nuances esquizofrênicas à parte, considero esta angústia um dos motores dos que, por ofício ou hobby, criam vidas, dores e amores, no papel ou na tela do computador.

Se para os pretensos literatos e escritores esta não aceitação da individualidade absoluta acaba sendo uma alavanca, para muitos outros pode ser um tormento capaz de rupturas de socialidade geradoras de atos extremos. Valho-me aqui (uma vez que não tenho pretensões psicanalíticas) de uma crônica de Contardo Calligaris publicada em 2004 no jornal Folha de São Paulo e que está na coletânea “Quinta Coluna”, da Publifolha, livro que reúne 101 de suas crônicas publicadas ao longo de vários anos. Na referida crônica, o escritor e psicanalista discorre sobre o imenso número de ‘missing persons’ mundo afora. Calligaris tece comentários sobre este fenômeno que, seja pela globalização, seja pelo novo mal du siècle conhecido por depressão e demais transtornos psíquicos, ou mesmo pelo tráfico de órgãos, não pára de crescer, ano após ano. Um dos apontamentos feitos pelo autor é que, por mais que tendamos a associar os desaparecidos com pessoas que foram subtraídas de seu local de origem contra sua vontade – rapto, trafico de órgãos ou morte violenta -, muitos destes desaparecidos o fazem de modo voluntário, direta ou indiretamente. Um belo dia, essas pessoas, cansadas de suas vidas – de suas famílias, de suas dores, de sua história, enfim, de sua biografia -, simplesmente põem o pé na estrada para nunca mais voltarem.

Atire a primeira pedra quem nunca imaginou como sua vida teria sido diferente se tivessem virado a esquina, ao invés de seguirem reto. Até os mais satisfeitos com suas histórias, vez ou outra, acabam por enfrentar tais pensamentos (ou não?). O problema fundamental que daí se nos apresenta é que o barco que pensamos abandonar não é a vida dos outros, mas a nossa própria. Afinal, nossas vidas – de cada um de nós – são esse moto contínuo de nossa existência, feita por nossas mãos, pensamentos e relações. Nossa vida somos nós mesmos. E não podemos fugir facilmente de nós mesmos.

O cinema, algumas vezes, trouxe-nos boas histórias de pessoas que, diante das circunstâncias da vida, diante de fraquezas, suas e dos outros, acabam por preferir um rumo novo, um novo começo, um novo ‘si mesmo’. Dentre estas, gostaria de indicar-lhes duas, tocantes mas diferentes, e que nos auxiliam a entender essa desnecessidade que algumas pessoas podem ter de nós. O primeiro se chama “Na natureza selvagem”, ou ‘Into the wild’ no original em inglês. A história, real, tornou-se filme pelas mãos de Sean Penn, o qual gravou o roteiro de um livro homônimo. Maiores detalhes são desnecessários, bastando que se diga que o filme, caso visto por essa ótica da compreensão dos que caem no mundo, é uma obra prima (na minha humildíssima opinião). Outro filme é o clássico ‘Seu único pecado’, de 1940. Na história, um honesto bancário acaba sendo ludibriado em circunstâncias pouco honrosas e, diante da vergonha do ocorrido, troca sua identidade com um homem acidentado na estrada. A cena em que o personagem principal revê sua família na noite de natal (sem ser visto) é um clássico do cinemão americano recém dotado de áudio.

No que diz respeito ao desejo de se viver as vidas possíveis, ainda que improváveis, pode ser que encontremos alguma explicação na própria mitologia. Em seu livro “O herói de mil faces”, o estudioso americano da mitologia e religião comparadas Joseph Campbell afirma haver uma estrutura arquetípica padrão em quase todas as mitologias heróicas do mundo (e que estaria presente em nossos inconscientes), a qual se manifesta num movimento de abandono da situação de conforto inicial, busca de um autoconhecimento (ou realização de uma façanha), e retorno para a origem. Ao pensarmos que vivemos num mundo cada vez mais óbvio, em que, ao contrário do que imaginamos, nossa liberdade é cada vez mais castrada pelos mercados e pela sociedade, talvez compreendamos que o único que os nossos desaparecidos voluntários desejam é ser heróis de suas próprias vidas.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Convite

Aproveitando o espacinho vago deixo o convite para o lançamento do livro Audito de Flávio Castro, amigo querido que há tempos não dava notícia e agora surgiu com essa, no Rio.
Quem puder compareça.



segunda-feira, 6 de julho de 2009

SEM RAÍZES


Só à noite, já deitada, naquele tempinho antes de o sono chegar, quando esfregava um pé no outro e os sentia lisinhos é que sossegava. Logo depois dormia relaxada.
Não contava a ninguém mas tinha medo. Perceber seus pés lisos era reconfortante. Temia criar raízes.

Criança quieta de uma família enorme, pudera observar tios e tias, primos mais velhos e namorados que vinham e iam. Todos comentavam seu olhar sério mas não queria ser séria, se pudesse escolheria ser alegre.

Percebera, naqueles tempos, que alguns de seus tios eram gostosos outros não. Uns riam, faziam mágicas, traziam brinquedos simples, comprados de camelôs, nas calçadas, adoravam cócegas e pegavam as crianças no colo. Outros, aqueles que traziam os presentes em pacotes bonitos, usavam roupas mais lisas, não riam tanto, costumavam discutir e às vezes saíam bravos. A criança séria ficava pensando nisso.

Os tios gostosos falavam bobagens, perguntavam de namorado, riam quando arrotavam e ensinaram toda a criançada a soltar pum no sovaco. Os tios tristes diziam que precisavam estudar e que era cedo para pensarem em certos assuntos.

Cresceu tentando compreender o que os fazia tão diferentes.

Ficou impressionada ao ler, em Cem Anos de Solidão, a cena em que um dos Buendia, esquecido ao ar livre, ficara enraizado e não pudera mais ser removido.

Bem mais tarde, quando leu O Jogo de Amarelinha, do Júlio Cortazar, percebeu um vestígio de explicação ao ler:“andava pela cidade como folha seca empurrada pelo vento”. Era isso! A folha, totalmente livre, solta, ia de um lugar para outro, para onde o vento soprasse. Os tios alegre eram soltos, os tristes eram amarrados!

Queria ser folha seca tocada pelo vento.

Livre, não louca. Solta. Solta para vestir o que quisesse, comer o que quisesse e amar quem quisesse, para largar um emprego e buscar outro caminho.
Loucura, disseram os amigos. Não se sentia louca. Só não queria criar raízes.
Qual a vantagem de ser estável, enraizada?

Estava perdida mas não insone.
À noite, quando percebia as solas dos pés lisinhas sabia que não havia criado raízes.

domingo, 5 de julho de 2009

Little things

A CNN não noticiou a morte de Pina Bausch mas citou a mudança de cor de cabelo de Britney Spears e as fotos de Madonna para a Louis Vitton. Prioridades são sempre prioridades!
Mais um Airbus caiu e uma pessoa sobreviveu. Os demais estão na ilha de Lost. Cada dia mais tenho medo de avião. E para piorar vi uma notícia, também na CNN, de que ninguém teria ficado machucado naquele tranco que o vôo da TAM, um (pasme) airbus, sofreu na rota Miami/São Paulo.
Minha gente, peraí, não teve passageiro que foi parar no hospital com a cabeça aberta? Então tá então.
Mas voltando, a Pina Bausch morreu aos 68 anos. Viveu pouco para o tanto que fez. Mudou muitos conceitos de dança, teatro e arte em geral no mundo. Eu vi um espetáculo dela na Opera Garnier e pretendia ver outro no Teatro Alfa. Mas agora a turnê está, ao menos temporariamente, suspensa.
E a FLIP começou e a essa altura já está quase acabando. Esse ano teve Sophie Calle em mesa com Grégoire Bouillier. Essa eu pagava mesmo para ver.
Aos interessados fica a dica da exposição Cuide bem de você que estará no SESC Pompéia até setembro e os lançamentos de Histórias Reais, de Sophie Calle (Editora Agir - R$ 34,90) e O Convidado Surpresa, de Grégoire Bouillier (Cosac Naify - R$ 39,00).

Abaixo o email de Bouillier para Sophie. Vale ler.



Não sou fã de Paulo Coelho. Na verdade, sou dessas que sempre achou Paulo Coelho sinônimo de coisas bem pouco publicáveis... mas vi esse trailer e quero ver o filme Veronika Decide Morrer. Sim sim, sou fã de Sarah Michelle Geller e acho que ela tem feito pouca coisa ultimamente.



SOCORROOOOO
E essa semana recebi um email de um amigo querido assessor de imprensa dizendo que estão tentando fechar A Lôca. Quem nunca foi a louca e nunca deu bafon que atire a primeira pedra. Como assim fechar A Lôca? É o lugar mais democrático de São Paulo, é a nossa Copacabana. Ali todos se encontram juntos pelo direito de tomar um drink a mais no melhor astral, de fazer fofoca, de falar demais, de subir no palquinho e fazer a louca dançando Beyonce ou Britney ou até Shakira (vai do gosto de cada um!). E tudo isso em um lugar onde você nunca será julgado. Olha que já fiz a Britney na A Lôca algumas vezes e nunca ouvi uma tiração de sarro depois. SABEM O QUANTO ISSO É ÚNICO? É saudável, é seu direito de desencanar de tudo sem se preocupar com aparência. De ser Madonna por umas horinhas. De dançar até o sol raiar e seguir direto para o trabalho. É gente que está lá para curtir a vida e o melhor que essa tem a oferecer. Quem vai A Lôca vai para se divertir e não ficar reparando ou fazendo mal para alguém. A Lôca é patrimônio da cidade, é a segunda casa de muita gente de bem. Olha que já rodei um pouco e nunca achei um lugar tão notoriamente democrático. Principalmente em noites de Pomba. E não estou falando de Pomba Gira não, se bem que essa também deve passar para dar sua desopilada por lá, estou falando de noites quando André Pomba assume as pickups e judia da freguesia da melhor maneira possível.
Resumindo, quem acredita em igualdade, em liberdade, civilidade e no direito inigualável de causar sem atormentar ou ser atormentado assine o abaixo-assinado, copie o link e mande por email para os amigos. Não é só pela permanência de uma balada democrática. É pelo direito de ser feliz de muita gente que já foi bem perseguida nessa vida antes que gente como Milk (incluisive dia desses quero comentar sobre esse filme mas estou bem sem tempo) e tantos outros ativistas homessexuais ou simpatizantes terem lutado por igualdade.

sábado, 4 de julho de 2009

Minha gatinha Mimi

Aqui em casa todos são gateiros, embora eles apreciem outros bichos. Meus filhos tiveram quase todos, menos cobra e elefante, por razões óbvias. A família possui um bom relacionamento com os animais dos vizinhos. Um dos mais queridos é Tutu, o tucano do dr. Ivan. Mas, quero contar-lhes como me tornei dona da gata mais mais do condomínio. Quando mudei pedi aos meus filhos que não me presenteassem, pois descobri ao fazer as malas e trocar de casa: tudo era excessivo, de roupas a utensílios domésticos.
Meu prático filho seguiu o conselho e tem aumentado somente a biblioteca. Minha delicada menina continua seguindo seus impulsos e não resistindo. Um dos melhores presentes foi uma gata. Sempre quis ter uma branca. Não que Mimi seja branca.
Ela é amarela e branca. Sem raça definida, diria o veterinário. Ela veio como uma lembrancinha no dia das mães e tinha na época cinco semanas. Passei a tratá-la com mamadeira e leite. Como estava frio, chorava muito. Dava-lhe leite, embrulhava a gatinha que cochilava e uma hora depois abria outro berreiro. Eu repetia a operação. Era uma choradeira dia e noite. Uma semana depois, uma antiga amiga de faculdade ligou-me e ouviu a gatinha. Perguntou-me se o animal estava doente. Eu disse: não. E contei a história. Leite? Sim, não é isso que os animais bebem quando pequenos?
Pensei nos gatos sagrados do Egito tratados com pão e leite, além do peixe do Nilo. Na verdade, voltei ao país antigo contando como eles eram embalsamados. Comentei sobre a vida gloriosa dos bichanos sob o sol escaldante do Oriente, pois Bastet, a deusa-gato simbolizava o amor.
Ela retrucou: leite... desnatado, se conheço bem você. A gata não chora de frio, ela tem fome. Dê ração molhada ou ração líquida e você vai ver. Vi! A Mimi quase morreu de tanto comer e parou de chorar, nem miar, ela mia. Transformou-se em uma jovem elegante, com pose de aristocrata. Mais fina que a Lucia, viu Rosa Leda. Não pode ter filhotes, porque foi castrada. Se pudesse com certeza buscaria alguém a sua altura! Como a embaixatriz, teria o gato mais poderoso do pedaço. E reivindicaria seu direito ao espólio como mãe de um belo rebento gatino.
Essa conversa toda me levou a perguntar o que é um gato, cat, em inglês e kot, em russo. Gato, do latim cattus, com sua variante gattus, a palavra deriva da linguagem dos celtas. No feminino catta designava uma ave noturna. Cattus substituiu felis, que deu origem a felino na língua portuguesa. Gato, assim como cachorro, possui como característica serem vertebrados, com cauda e mamíferos. A definição resumida estava no dicionário. Uma pobreza, não é? Até Heródoto escreveu que na Grécia existia um período de luto para famílias que perdiam seus gatos. Outro que não perde a oportunidade de falar sobre felinos é o Irineuzinho Bastos, o Heródoto daqui, digo, o historiador de Bauru.
Da história para a religião, tanto Maomé como os budistas tibetanos também tem coisas para contar. Os monges sempre criaram seus gatos sagrados e Maomé mandou cortar a manga de uma roupa para não acordar Muezza, a gata que dormia em seu colo. Se eles podem, eu também posso adorar a doçura da Mimi.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Rolling Stone

Geralmente quem gosta de rock gosta da Rolling Stone e tira o chapéu para suas capas. Aqui é a edição homenagem que acabou de ser lançada nos EUA e em breve deve estar traduzida aqui e abaixo capas de Michael Jackson. Notem que na primeira ele tinha 11 anos e já era... bem, capa da RS.




quinta-feira, 2 de julho de 2009

segundos

a luz que entra pela janela é artificial. vem do poste.
o café esfria na caneca roxa. mal se mexe.
a almofada, no sofá, nem ganha mais a cabeça cansada.
da sala para a cozinha, 12 passos.
geladeira vazia.
coração também.
mas, órgão quente que é, não conserva os sentimentos.
estraga a paixão. faz embolorar.
telefones de delivery.
talheres todos sujos.
roupa de cama de um mês.
meias pra lavar.
olhos fixos na porta.
relógio que maltrata os segundos.
cachorro uivando na esquina.
vela pela metade.
sorriso por inteiro.
o silêncio interrompido pelo bater do pé.
pelo respirar.
pelo susto do chegar.
mas não chega.
ainda.
um dia, sim.
com luz do luar.
com os talheres limpos.
e o relógio com os segundos livres.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Dona Maria

O fato ora narrado aconteceu em junho de 2003, num princípio de inverno úmido e frio, na cidade de Buenos Aires. Residia eu como estudante, com visto de estudante, espírito de estudante e um algo mais que todos carregamos todo tempo, não importa a classificação dos burocratas da imigração.
Todos os dia, após um almoço cuja máxima variação era o grau de charco da milanesa e o ímpeto da pimenta do reino do purê de ‘papas’, tomava a linha verde do metrô, que liga o norte da cidade ao chamado ‘microcentro’. O ponto de destino chamava – e ainda se chama – Faculdad de Medicina, próximo à confluência das ruas Paraguay e Junin, local das aulas diárias. Estas, de aproximadamente três horas ininterruptas eram prazerosas, mais pelo afã dos professores – jovens e cheio de vontade de exibir sua cultura – do que pelo conteúdo. Afinal, todos sabemos que o grande professor de idiomas sempre foi e será a rua, a noite, a vontade de se comunicar e a condição de estrangeiro, ávido de compreensão daquilo que lhe cerque.
A tarde após as classes seguia como não poderia deixar de ser, com vagares intermináveis pelas ruas, cafés e sob a arquitetura de uma cidade que, por algum motivo mais antropológico que social, sempre quis ser a representante da belle epóque na América do sul, não tendo podido sê-lo por muito tempo.
Ao fim do dia, já com os pés cansados de caminhar, os olhos embotados de tanta diferença de nossos trópicos tupis, e a língua calejada de pronunciar “erres” aspirados, tomava eu o rumo de volta. Devido ao horário – sempre posterior ao término das atividades do transporte coletivo – o retorno era uma longa e benfazeja caminhada até a Plaza Itália, no bairro de Palermo, onde ficava o albergue onde passava as noites.
Foi num destes percursos noturnos que eu a conheci. O primeiro contato foi nada mais que um pedido de esmola:
- Uma monedita por favor!
A primeira reação – a mais convencional possível – não passou de um menear de cabeça, indicando a negação a todo pedido possível naquela situação. Todavia, o espírito santo que creio tutelar as mentes de alguns andantes mundo afora soprou em meu ouvido.
Ao atingir o fim do quarteirão, por algum motivo externo, qualquer coisa que não estava em mim, voltei o olhar e vi, sentada na calçada de uma agencia fechada e imundado Citibank, ela, quem soube posteriormente chamar-se dona Maria.
Voltei o corpo e até ela caminhei. Minha primeira pergunta, no idioma local e talvez após segundos de hesitação foi:
- O que alguém como a senhora faz aqui, uma hora dessas?
A resposta fora um misto de indignação – não sei se pela pergunta ou se pela consciência de sua própria condição:
- Estou aqui por culpa do neoliberalismo, e do presidente que vendeu este país, desrespeitou os velhos e pôs tudo a perder.
Não lembro exatamente o desenrolar imediato do ocorrido. O que sei é que após alguns instantes eu estava sentado ao seu lado, ouvindo um depoimento sincero de uma vítima da bancarrota do país mais próspero da América do Sul até meados do século XX.
Se me é permitida qualquer análise do que ouvi nos instantes seguintes, posso dizer que foi um relato lúcido, fundamentado e extremamente culto de alguém que viveu, por décadas, do sistema de previdência que a Argentina sustentou por anos e anos. Os detalhes da história são, inevitavelmente, detalhes. O que lhes posso afirmar de forma direta é que, nunca, neste período até aqui despendido por mim neste planetinha azul, havia tido a oportunidade de ver e ouvir uma história tão triste, seja por suas nuances políticas, seja pela incongruência em si, haja vista o fato de a mencionada dama falar cinco idiomas, ouvidos e reconhecidos por mim.
Como acho que não poderia deixar de ser, desde de então, no período de dois meses em que fiquei na cidade de Buenos Aires, diariamente eu ali sentava, ao seu lado, e ouvia histórias, de viagens pelo mundo – cujas fotos comprobatória pude ver – e de tragédias pessoais. Ao fim e ao cabo afirmo que foi ali, naquela calçada, que descobri que a tragédia, no sentido de percalços que atingem, e destroem – ao mesmo tempo que enriquecem – a alma humana, podem acontecer com qualquer um de nós.
Fui-me de Buenos Aires no início de agosto.
Em julho de 2005 pude, uma vez mais, visitar a cidade. Em outras condições financeiras, lá estive com meu pai e um primo querido. Numa madrugada de quinta-feira, após algumas garrafas de vinho, tomamos um taxi. Sorrateiramente pedi ao motorista que tomasse o rumo pela Avenida Santa Fé. E lá, em frente à agência do Citibank, encontrei novamente Dona Maria, e a ela apresentei meu pai e meu primo, aos quais havia, muito antes, contado essa história.
Meu mai faleceu em 4 de abril de 2009. E independente de toda vida possível que a morte leva, sei que pude mostrar a ele um pedaço de mim e do mundo que talvez ele não conhecesse. Pude perceber, uma vez mais, e ao lado de minha família que a vida é realmente a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. E sei que tanto Dona Maria quanto eu pudemos ser testemunhas das vidas um do outro, ainda que por um curto pedaço de tempo.