sábado, 27 de fevereiro de 2010

Joana: uma mulher sagrada

Em visita ao Louvre deparei-me com uma cadeira, cujo assento parecia um vaso sanitário. Arte ou técnica? Como não estava assinada por Duchamp, optei pela técnica perguntando qual sua função. Para minha surpresa, o monitor respondeu: “habet duos testiculos et bene pendentes.” Não acredito. Por que submeter um papa a essa verificação? Começou com São Pedro? Não, o trono passou a ser usado bem depois. Como diria Caetano “inscrevo assim minhas palavras/na voz de uma mulher sagrada.” Só pode ser isso. Houve uma mulher que foi papa! Curiosa, busquei por informações.
No século IX imperavam as trevas da idade média. Frase horrorosa, hein? Em parte a afirmação é verdadeira, então fica assim. Após o reinado de Carlos Magno, que morreu em 814, deixando o sacro império romano órfão e os herdeiros em pé de guerra, os vikings e os sarracenos tentaram saquear Roma. Nada de história, os fatos descritos aqui estão relacionados a uma mulher que nasceu, exatamente, no ano da morte de Carlos Magno, Joana. Ela derramou seu leite bom na cara do Caetano e “o leite mau na cara dos caretas.” Não poderia aprender ler, nem escrever. Mulheres letradas eram consideradas aberrações, naquela época e hoje em dia também! Mas, enquanto o mestre ensinava João, ela não só aprendeu a ler as escrituras em latim, como iniciou seu estudo dos clássicos com o professor, de origem grega. A morte do irmão deu a ela a oportunidade de assumir sua identidade e ingressar em um mosteiro, destacando-se em teologia e medicina.
Como padre acabou vivendo em Roma, onde encontrou um mundo de oportunidades na Schola Anglorum. Tinha uma vida ativa, podia usufruir da pequena biblioteca, bem como entrar e sair à vontade desse local. Sua única obrigação era celebrar uma missa toda manhã. Tornou-se intelectual respeitada. Quando Leão IV assumiu o trono de São Pedro convidou João, o inglês, como era chamado, para notário na Cúria. Oito anos depois, com a morte de Leão, foi aclamado papa, numa cidade dominada por poderosas famílias romanas justamente por não estar ligado a nenhum grupo político, talvez até por ser estrangeiro. Era o ano santo de 853. Ela governou a cristandade por dois anos com o nome de João VIII, antes de Bento III. Teve um reinado discreto, com muitas obras, mas sem aparições públicas. Porém, acontecimentos desastrosos começaram a afligir a população e como pontífice: a ponte entre a humanidade e Deus, precisava intervir. Os cardeais e colaboradores mais próximos do papa programaram uma procissão. Paramentada e de baixo de um sol escaldante, ela sentiu-se mal. Ao prestarem socorro a João perceberam que o papa não só era uma mulher como estava grávida. A noticia se espalhou e Joana foi linchada pelos fiéis como culpada pelos desastres abatidos sobre a cidade. O mistério da gravidez nunca foi desvendado, mas numa cidade devassa como Roma, qualquer um que conhecesse a real condição de Joana poderia ter feito chantagem e conseguido usufruir da situação. Nisso tudo um acontecimento é verdadeiro: a partir de um dado momento, o Vaticano passou a submeter o eleito ao ritual de certificação de seu sexo usando a tal cadeira. Incrível, não é? Acho que Caetano pensou nela quando escreveu os versos “Vaca profana, põe teus cornos/para fora e acima da manada/dona das divinas tetas/derrama o leite bom na minha cara/e o leite mau na cara dos caretas.” Amém!

2 comentários:

Anônimo disse...

uau! que história fantástica.
"gotas do leite bom na minha cara
chuva do mesmo bom sobre os caretas."
bjs,
Eto Coelho

Anônimo disse...

Legal