sábado, 19 de junho de 2010

Lindonéia: no avesso do espelho

Ao participar recentemente de uma entrevista sobre a obra e o estilo de um pintor a jovem entrevistadora empregou o termo clássico versus moderno. Pedi uma pausa para conversar sobre o assunto, sem gravador. Expliquei que Platão referia-se a produção artística de seu tempo com a palavra moderna para diferenciá-la da arte egípcia e no século XIII, já existia uma querela entre antigos e... modernos! Dei a ela um conceito para o termo explicando que de acordo com os estudiosos a modernidade teve inicio em 1453, e terminou com a segunda guerra, em 1945.
A moça ficou pasma quando relacionou Leonardo da Vinci com o período, pois assim ele estaria dentro desse momento histórico, e poderia ser chamado de moderno. É engraçado como as pessoas não atentam para detalhes tão pequenos. Como arte é fruição, costumo não me preocupar muito com isso. Porém, é bom saber que moderno é um desses termos com múltiplos usos e classifica até um quadro produzido hoje, por que não?
Quanto ao título do texto trata-se de uma outra história, embora continue relacionada à arte. Lindonéia é considerada a Mona Lisa brasileira. Uma tela enigmática pintada por Rubens Gerchman na década de 70, no auge da tropicália. O que veio primeiro a tela ou a letra de Caetano Veloso?
Trata-se de um período de parceria sem precedentes entre os baianos e a pintura de Oiticica e Gerchman, embora essas relações tenham sido dispersas e fragmentárias. Caetano afirmou em entrevista ter sido Nara Leão quem encomendou a música. A exigência era do compositor se inspirar no quadro do pintor que transportou e ampliou um retrato 3x4 em traços distorcidos, estampado em um jornal anunciando o desaparecimento de uma mulher, Lindonéia.
A tela pronta tinha parentesco direto com o Tropicalismo e sua imagem estava pintada nos moldes da art pop. A canção de Caetano realimentou a carga poética da história, ao falar com dolorosa pureza da noiva ausente da igreja no dia do casamento por ter sido atropelada, daí a frase “ela aparece na fotografia do outro lado da vida”.
Falei sobre o entrelaçamento entre todas as artes durante os anos, ditos de chumbo, devido à ditadura militar. Mencionei Zé Celso Martinez e sua influência na obra do artista plástico Antonio Henrique Amaral, na fase conhecida como das bananas. “Brasilianas,” digo bananas, e “Campos de Batalha” criticavam o governo fazendo referências ao assassinato do jornalista Herzog. Enfim, depois disso voltei ao microfone e a gravação do programa, pois era informação demais para ambas em um único dia. Efeito dos meios de comunicação “modernos” que aí estão para não me deixar mentir.

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