sábado, 26 de junho de 2010

MODOS DE VER...

Assisti dia desses, um documentário sobre Da Vinci e sua explicação sobre a influência da atmosfera no jeito que um sujeito vê objetos, esse estudo dele tornou-se conhecido como perspectiva aérea. Algo que todo estudante de desenho sabe, figuras cortadas pela cor. Lembrei-me que a base óptica da perspectiva foi definida pelo filósofo árabe Alhazen, uns quinhentos anos antes do Renascimento, mas o interesse dele era a ciência. Perspectiva... uma projeção em superfície plana de um fenômeno tridimensional. Na Grécia e Roma Antiga o recurso era conhecido como escorço, porém foi durante a Renascença que a perspectiva foi desvendada, abrindo caminho para seu estudo matemático. Nessa época, Alberti montou um cenário e colocou modelo e observador em pontos de vista fixos criando um espaço uniforme de caráter contínuo. Porém, tempo e espaço são descontínuos e coexistentes. Antes do reaparecimento da perspectiva, as pinturas e desenhos utilizavam uma escala para objetos e personagens, de acordo com seu valor temático ou espiritual.
Existe uma teoria que descreve a desaparição das condições de estabilidade em um espaço determinado. Pensei na série Catástrofe, onde Salvador Dali representou um espaço geométrico plano e elástico. Imaginei questões relacionadas à fotografia, onde as figuras repetem o olho humano aparecendo invertidas. Não sei se culpa da máquina mecânica ou da humana, pois o cristalino, uma lente gelatinosa responsável pela acomodação da imagem se encarrega de adaptar o original para o cérebro. Resumindo, o mundo captado pelo olhar está de cabeça para baixo.
Que horror! Mesmo sentimento causado pela perspectiva no século XV, algo comparado ao impacto de inovação e repulsa que o cubismo e a arte abstrata provocaram no século XX. Se na Renascença foi o encontro com o novo espaço pictórico que causou desconforto, na vanguarda, foi à volta aos espaços multi-sensoriais que perturbaram e confundiram os espectadores.
Shakespeare compreendeu como a perspectiva era artificial e com habilidade descreveu essa ilusão através de recursos verbais. O relato de Edgar ao cego Gloucester, na peça Rei Lear são: “Eis o lugar. Permanece quieto. Quão apavorante e perturbador é lançar os olhos para baixo!” Nessa descrição o bardo inglês apontou a sensação desagradável despertada, quando da mudança do espaço sensorial da Idade Média para o novo espaço visual da Renascença. È como se ele dissesse como Pascal: o silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora. Para quem viu 2001, uma odisséia espacial sabe do que ele está falando, aquela lentidão, aquela ausência de barulho, aquele frio na barriga, medo, enfim...

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