quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O BEM, O MAL, E O CISNE

As palavras que serão, a partir de agora, aqui lançadas, muito possivelmente parecerão desconexas, sem um rumo claro, e muito menos serão dotadas de um posicionamento definitivo. A própria idéia de uma “tomada de posição” vai contra a essência do que será aqui colocado. Saliento, contudo, que este aviso inicial não pretende servir como uma inoculação prévia, uma vacina contra os rancores dos desavisados, mas tão somente fornecer um auxílio mínimo, para que o texto não pareça um exercício de verborragia de um bêbado.


Assisti, na noite de domingo, à “O cisne negro”, de Darren Aronofsky, e saí do cinema com falta de ar, com o coração acelerado e com uma descarga elétrica percorrendo todo meu corpo. Era algo semelhante à sensação que se tem quando se acorda pela manhã estando apaixonado. Eu podia sentir meu corpo pulsando. O “Cisne negro” é Nietzsche puro! E Freud! Trata-se de um filme que deveria ser analisado por Joseph Campbell e não pelos críticos (profissionais e amadores – como eu) de plantão.


Não vou dar dicas sobre o filme. Não sou fã de spoilers. Quem quiser que o veja e depois leia novamente estas palavras. Vou apenas dizer que Aronofsky conseguiu levar para a tela do cinema uma quantidade de informação filosófica escamoteada em som e música como eu nunca havia - até onde me lembro – visto. A concepção da dualidade entre o cisne branco e o cisne negro sustenta toda a estrutura do filme e coloca para o espectador a questão primordial.


Em sua obra “Para além do bem e do mal”, Nietzsche coloca em causa a ideia da valoração hierárquica dos instintos humanos. Algo semelhante ocorre em “A genealogia da moral”, obra em que o filósofo alemão questiona a formação dessa mesma hierarquia entre “bem” e “mal”. Em “O Cisne negro”, a personagem principal Nina passa todo tempo alucinada e à beira de um surto de traços esquizóides justamente pelo fato de ter de assumir o seu lado animal, instintivo, sexual. Ou seja, ela quase surta ao ter que deixar de se ver como um anjo e aceitar-se um bicho, humano, capaz de carregar em si a ampla gama da vida. Ela precisa perder o medo. E, de se ressaltar, para Nietzsche, “o medo é o pai da moral”.


Não pretendo teorizar aqui sobre a formação de valores morais. Quero apenar deixar claro que tudo aquilo que durante milênios manteve a vida humana caminhando sobre o planeta – ou seja, nossa condição animal – foi associado às ditas “forças negativas”. A visão contemporânea de mundo aponta que o que vier da cabeça ou do coração de um indivíduo será associado ao “bem”. O que brotar dos recônditos espaços de seus instintos e de suas entranhas será associado ao “mal”.


O filme de Aronofsky vem nos salvar dessa visão. Ele leva para a tela a metamorfose de uma criança em um ser humano completo: animal E transcendente. Ele também mostra quão porosas são as fronteiras entre o bem e o mal. Ele redime as forças ocultas do corpo humano. Em suma, Aronofsky assume o papel de um xamã, ou seja, aquele que nas sociedades primitivas era o responsável pela dominação e (re)equilíbrio dos instintos humanos.


Ao sair do filme, me lembrei de um trecho de uma música de Lulu Santos que diz:

Enquanto isso, não nos custa insistir
na questão do desejo não deixar se extinguir
desafiando de vez a noção
na qual se crê que o inferno é aqui



Enfim: acho que vai demorar para eu ver algo tão completo como “O cisne negro”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo!!!!!! Eu vi o filme e você completou minha análise com seu texto forte. Parabéns.
Rosa Bertoldi

janaina disse...

eu estava super relutante pq achava q depois de Pi ele não tinha feito nada tão intenso... ok, estava equivocada!