segunda-feira, 27 de junho de 2011

Juan Gelman


Não o conhecia até sábado. Quero apresentá-lo a vocês e ao mesmo tempo pedir desculpas (de repente só eu não o conhecia).... é poeta, jornalista e tradutor argentino, ganhador do Prêmio Cervantes em 2007

hoje chove muito, muito
e parece que estão lavando o mundo.
não tenho vizinho do lado esquerdo,
ele gostava de contemplar a chuva,
e pensava em escrever uma carta de amor,
uma carta à mulher que vivia com ele
e cozinhava para ele e lavava a roupa para ele e fazia amor com ele
e parecia sua sombra
mas, meu vizinho nunca dizia palavras de amor à mulher
entrava em casa pela garagem e não pela porta,
por uma porta se entra em muitos lugares
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher, nem na alma
quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje, que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa,
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando e como
mas, o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tinha tormentos na boca
palavras que naufragavam
palavras que não sabiam que havia sol porque nasciam e
morriam na mesm noite em que amou
e deixava cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como uma rosa e eu, que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contemplava a chuva
à chuva
ao meu coração desterrado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rosa:
Obrigada, eu também não conhecia.
Bjs
Rosa Bertoldi