terça-feira, 20 de setembro de 2011

Hannah, a linguagem contemporânea de um romance...


Às vezes sou Fainer e outras Bastos, isso me dá dupla personalidade. Esquisita, dizem meus amigos. A razão desse juízo é que costumo ler livros mais de uma vez, comprar dois pares de sapatos iguais, três vestidos da mesma renda em cores diferentes, ter um cachorro de nome David Bowie, não ele não fala inglês e nem usa roupa de mulher... O bichano atende por Kurt Cobain e a gata chama-se Mimi Yoda. Acredito que um dia verei viajantes de ovins descendo no meu quintal e de quebra costumo adquirir todos os discos, em dobro, do Caetano Veloso. Jóia são três cópias, mas fazer o que? Eu me considero absolutamente normal, mas tem gente olhando torto para mim. De tanto ouvir que sou desligada decidi tomar uma atitude. O vestido, de renda vermelho, virou uma saia, o azul, um tubo e o preto dei para minha irmã. Mas, ninguém pode me acusar de falta de gosto, pois tenho faro para bons livros. Se forem bem humorados, e esse humor for judeu, melhor ainda.
Traduzindo Hannah caiu no meu colo, na verdade foi um presente. Nós pensamos meu marido e eu em Arendt, talvez por estarmos lendo “Eichmann em Jerusalém”. Depois prestei atenção na capa. Linda! As palavras impressas eram em iídiche? Li, não, devorei as páginas bem escritas e fundamentadas corretamente na história de um Brasil tentando ser moderno, embora às vezes congelasse uma imagem em busca de seu efeito poético, ou quem sabe para ter um desenho nítido de Hannah, a mulher pela qual Kutner estava apaixonado. Sua maneira de se expressar me deixava com a impressão que ele permanecia acordado, não dormia nunca, e seus olhos eram relógios, parecendo sempre abertos. Hannah não seria uma fantasia de Max? Eu queria uma prova dessa existência. Gostaria de ter posto a nu – como os celibatários de Duchamp fizeram – o conteúdo emocional, esvaziado a obra para entender a lógica impecável delineada no romance, como faço com cores e linhas na pintura ao analisar uma tela. Porém, Hannah apesar de sua clareza absoluta permaneceu nas sombras para mim. O autor retratou o período Vargas com uma leveza de dar inveja. O tom é tranqüilo, meditativo e os argumentos são bem trabalhados. Pensava em Getúlio como um demagogo repressor, embora tenha iniciado uma insípida modernização no país. Essa dualidade me incomodava, como quando algum amigo referia-se as proezas das prostitutas polacas, mesmo que brincando. Como se eu fosse uma reencarnação delas, aquilo me ofendia. Agradeço a Ronaldo Wrobel, ou ao Traduzindo Hannah, o fato de ter olhado para a situação com naturalidade. Nossa, veja a importância da linguagem. Deve ser verdadeira a frase: a arte pensa com palavras. É mais fácil entender a vida através da arte? Pode ser, pois vocábulos são signos pouco pesados, que a comunicação faz circular com sutileza. O autor tem talento, o verdadeiro dom artístico. Possui um bom olho para criar personagens evitando o julgamento moral e o desconforto acarretado por ele. Ao terminar a leitura perguntei: onde estará a verdade quando dois espelhos como Hannah e Guita ficam frente a frente?

Janira Fainer Bastos é doutora em Estética e História da Arte pela ECA-USP.

Um comentário:

Janaina Fainer disse...

Mami,

o Ronaldo Wrobel me mandou isso por mensagem...

Adorei a resenha da sua mãe! Original, inteligente. Agradeça a ela, por favor. E diga que estou à disposição se ela quiser fazer alguma pergunta, comentário etc etc... Bjs e MUITO OBRIGADO!

dado o recado
bjs