quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

fotos

Após anos de dedicação à solidão, encontrou seu talento: “fotografar” sensações.
Batia o olho em alguém, esperava o momento e clique: com o piscar dos olhos, eternizava a cena e o sentimento.
Levava pra casa, para ampliar. E admirar.
Gostava do banco da praça central, lá pelas nove e tantas da manhã.
A luz do sol favorecia, deixava tudo mais evidente, tudo mais quente.
Foi assim que, dias atrás, registrou a saudade.
Um velhinho parou em frente ao jardim florido da praça.
Minutos imóvel. Parece até que o tempo havia pregado a placa “Volto logo”.
Quando voltou, suspirou.
Pegou uma flor do jardim e, com os olhos cerrados, a apertou contra o peito.
Clique.
Dias desses, também eternizou a alegria.
Vendedor de balões ganhava seu arroz-feijão na praça.
O vento ajudava: soprava com carinho cada cor enchida durante a madrugada.
Entre os passos rápidos das pessoas, dois pés fincados no chão.
Uma criança, olhar fixo no balão amarelo.
A cada passo de tango do brinquedo no céu, um princípio de sorriso.
Alegria em flagrante construção.
Clique.
Também colecionava imagens de dor.
A mais recente, de um casal.
Os dois calados, mãos dadas, cabeças abaixadas.
Não trocavam olhares. Pedidos. Bênçãos. 
Um cafuné, por menor que fosse.
Seguiam cartesianamente em linha reta, cumprindo um ritual quase funerário.
Na esquina, as mãos se soltaram. 
Talvez arrependido, ele até virou os olhos para ela.
Mas era tarde.
Ela já se perdia no horizonte, entre buzinas, carros e decepções.
Clique.
Um pouco antes, flagara o tesão.
Começou ouvindo o toc toc dos sapatos.
Repetidos religiosamente, trilha sonora feito respiração.
Pareciam até ofegantes. Safados.
Então, ela passou bem ao lado.
O vermelho dos cabelos brilhava de cegar.
Com o vento (de novo ele…), esvoaçaram. Perfumaram o momento.
Ficou impregnado com aquela sensação de quero-mais.
Parecia um abraço apertado, sufocante, tarado.
Clique.
Hora de voltar pra casa.
Panela no fogo, Coltrane no toca-discos, panos sobre os espelhos da casa.
Nada de fotografias agora.
Principalmente do desespero.

2 comentários:

rosabertoldi@gmail.com disse...

fotografar sensações...uau! Adorei o texto.

Camilla disse...

Todas essas belas fotos são nossas. Passaremos um dia por elas.