Mostrando postagens com marcador pernas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pernas. Mostrar todas as postagens
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Elipse
Ele sabia que era absolutamente impossível. Quando se conheceram ela já morava com um cara. Músico, inclusive. Desses que viajam com a banda e traem as namoradas. Mas era bem apessoado. E talentoso, diziam. Ele não era músico e não viajava e também não traia a namorada. Era contador e estava noivo há seis anos quando a conheceu. Ela era o exato oposto de sua noiva. Cosmopolita, extrovertida, inteligente, diziam. Ele não sabia ao certo que o pensava dela. Só tinha curiosidade. Ela era uma dessas pessoas que sorriam e abraçavam com o corpo todo e não só os braços e invariavelmente isso o deixava constrangido. E excitado. Não sabia se era a proximidade, o calor, o cheiro do cabelo ou o fato de que quando abraçava, tocava de relance seu pescoço. Arrepiava. Todas as vezes. E sempre tinha a impressão que ela percebia. Ela era cliente em seus escritório e o começo de ano sempre queria dizer que ela apareceria para fechar seu imposto de renda. Ganhava bem. Gastava muito. Com o namorado vagabundo, ele tinha certeza. No último encontro após o abraço deixou cair uma pasta e voaram notinhas de papel térmico. Ela sorriu e ajudou a resgatá-las. Após a reunião pediu demissão. Não podia continuar vivendo assim.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
ruas
o papel amassado pelo tempo marcava: "rua das angústias".
letras garrafais. parecia coisa importante.
ele não lembrava de nada.
mas fez questão de acordar cedo.
o all-star preto estava ao lado da cama, cadarço novo.
nada de tropeços dessa vez.
o banho foi rápido, a encarada no espelho demorou mais.
parecia saber quem era. e o que tinha de fazer.
calça rasgada, camiseta preta, all-star, chave no bolso.
não, não precisa levar celular. não tem pra quem ou por que ligar.
15 minutos de caminhada. para aquecer as pernas.
talvez a alma.
pensava no que poderia encontrar, no que iria falar e em outros condicionais que a vida impõe em passeios como esse.
passeio que ele não sabe ainda se gosta. mas que repete anualmente.
tradição. promessa. hábito.
pior que fumar mentolado.
mas segue. passos largos, fortes, marcados.
o coração aperta. falta uma quadra.
chega.
tem muita gente.
todos apressados. por dentro, assustados.
todos olhando para os lados. todos ignorando todos.
alguns até a si mesmos.
nada é falado. não há música ambiente, nem nos fones de ouvido.
parece não haver vida.
só rituais mecânicos. engrenagens silenciosas em funcionamento.
pernas e braços e pescoços e piscadelas num ritual messiânico.
exaustivamente repetitivo. incrivelmente espontâneo.
balé e bailarinos.
todos filhos e netos da mesma dor com o mesmo pecado.
casalzinho sem-vergonha pra caralho.
tão semelhantes. tão similares. tão tais.
e ele assiste a tudo.
rei do camarote.
o coração aperta até a primeira lágrima cair.
é hora de dar meia volta.
antes que seja tarde.
antes, tira outro papel do bolso.
outro pedaço sujo, também maltratado pelo tempo.
ou maltratado por qualquer outra coisa.
tem dificuldade para ler as letras tristes, miúdas.
aperta os olhos, marejados por completo a esta hora.
"rua da saudade".
suspira.
amanhã, a caminhada é mais longa.
Assinar:
Postagens (Atom)