quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ruas

o papel amassado pelo tempo marcava: "rua das angústias".
letras garrafais. parecia coisa importante.
ele não lembrava de nada.
mas fez questão de acordar cedo.
o all-star preto estava ao lado da cama, cadarço novo.
nada de tropeços dessa vez.
o banho foi rápido, a encarada no espelho demorou mais.
parecia saber quem era. e o que tinha de fazer.
calça rasgada, camiseta preta, all-star, chave no bolso.
não, não precisa levar celular. não tem pra quem ou por que ligar.
15 minutos de caminhada. para aquecer as pernas.
talvez a alma.
pensava no que poderia encontrar, no que iria falar e em outros condicionais que a vida impõe em passeios como esse.
passeio que ele não sabe ainda se gosta. mas que repete anualmente. 
tradição. promessa. hábito.
pior que fumar mentolado.
mas segue. passos largos, fortes, marcados.
o coração aperta. falta uma quadra.
chega.
tem muita gente.
todos apressados. por dentro, assustados.
todos olhando para os lados. todos ignorando todos.
alguns até a si mesmos.
nada é falado. não há música ambiente, nem nos fones de ouvido.
parece não haver vida.
só rituais mecânicos. engrenagens silenciosas em funcionamento.
pernas e braços e pescoços e piscadelas num ritual messiânico. 
exaustivamente repetitivo. incrivelmente espontâneo.
balé e bailarinos.
todos filhos e netos da mesma dor com o mesmo pecado.
casalzinho sem-vergonha pra caralho.
tão semelhantes. tão similares. tão tais.
e ele assiste a tudo.
rei do camarote.
o coração aperta até a primeira lágrima cair.
é hora de dar meia volta.
antes que seja tarde.
antes, tira outro papel do bolso.
outro pedaço sujo, também maltratado pelo tempo.
ou maltratado por qualquer outra coisa.
tem dificuldade para ler as letras tristes, miúdas.
aperta os olhos, marejados por completo a esta hora.
"rua da saudade".
suspira.

amanhã, a caminhada é mais longa.

2 comentários:

Janaina disse...

já te disse que sou sua fã?
parabéns pelo texto.

Camilla disse...

Texto super sensível. E ele chegou a seu destino.