Cuidei de meu neto e quase esqueci de postar... Em todo caso, ainda não é meia noite e meu compromisso está sendo honrado.
Observou o carro com insulfilme escuro.
Sentia-se fraco mas procurava se esconder indo de um ponto ao próximo objetivo como vira tantas vezes em filmes de guerra.
Ao longe uma grade retorcida, devia ser o portão. Caminhou célere em sua direção. Acabara de vencer o último espaço sempre se escondendo atrás de árvores e lápides quando viu o automóvel preto chegar. O homem que saiu dele voltou-se para seu lado e disse:
- O que pretende? Ninguém sai daqui antes de falar comigo.
Manteve-se quieto, afinal o homem poderia não estar falando com ele mas, em seguida, perdeu a ilusão pois o homem falou mais alto:
- Josué, venha cá. De nada adianta ficar aí encolhido. Enfrente a realidade, chegou sua hora.
Hora do quê? Tremia a ponto de ouvir seus dentes batendo e sentia um medo danado mas, sem dúvida, o sujeito queria falar com ele. Levaria um tiro logo que saísse de trás de sua proteção? Quantas pessoas mais haveria no carro? Deveria tentar fugir?
- Nem pense em fugir, Josué. Não há escapatória.
- O que eu fiz? Onde estou? Quem são vocês? Por que devo falar com você antes de sair daqui? Que lugar é este?
- Eu faço as perguntas – disse o homem - você responde. Começo inquirindo: por que saiu de lá?
- Saí de onde? Se você está falando daquele buraco onde me trancaram, a pergunta não tem cabimento... qualquer um tentaria escapar.
- Na sua situação todos têm que ficar lá.
O homem parecia de poucas palavras e havia tal autoridade e solenidade na forma como se expressava que sentiu-se constrangido de falar mais, de insistir na pergunta. Instintivamente baixou a cabeça como se alguma força a empurrasse para a frente. A parte de trás do pescoço tinha a pele muito esticada, fechou os olhos e por sua mente passaram, com a rapidez de um raio, milhares de cenas de sua vida. Agora lembrava de tudo!
- Entendeu por que? perguntou o juiz. Agora o identificava como tal.
- Estou morto? É isto a morte?
- Não, isto é um presente, uma degustação da vida eterna... Pouquíssimos o recebem.
- ...mas estou vivo ou morto? Que raio de presente mais assustador é este? Você é Deus?
Pela primeira vez assomou um sorriso à face séria do homem.- Isto é uma degustação. Aprecie, não pergunte.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
Sem lembrança
"A separação é vivida com um atentado planejado meticulosamente, pois a bomba foi colocada bem no nosso coração: é impossível escapar da viol~encia de sua deflagração"
Martin Page
Recentemente fui membro de uma comissão para premiar espetáculos inéditos de teatro. Li muito. Ao todo eram 400 projetos. Quase fiquei louca! Mas foi genial. É uma delícia ler propostas criativas. Sonhos e imagens que podem ou não vir a se realizar. Idéias.
E com isso, além dos 400 projetos, acabei comprando alguns livros por me interessar por citações bacanas.
Talvez uma história de amor, de Martin Page, foi o primeiro deles. Curiosidade aguçada a partir da história desse rapaz que chega em casa e ouve um recado de uma garota declarando o fim de seu relacionamento, relacionamento este que ele não se lembra, assim com da garota.
Lembrei de o O brilho eterno de uma mente sem lembrança, um dos meus top 10 filmes definitivos, e li o livro em 48 horas.
Com frases incríveis, sacadas filosóficas e um protagonista doente e de fácil identificação, a leitura flui. Não posso negar que meu lado romântico hollywoodianamente pervertido ficou decepcionada com o desfecho. Mas, por favor, não me entendam mal, o livro é bom. Agora fiquei curiosa pelos outros títulos do autor...
Segue trecho de Talvez uma História de Amor, de Martin Page, traduzido por Bernardo Ajzenberg
“…
Depois de desligar da tomada o abajur da mesa para ligar a do aparelho da secretária, Virgile apertou o botão de leitura. A mensagem apareceu.
- Então essa mulher o deixou – disse a psicanalista.
- Não exatamente.
- Mas ela disse isso claramente. Você é que não está aceitando.
A doutora Zerkin acreditava ter posto o dedo na ferida. Afinal de contas, os dois conheciam a situação da vida sentimental de Virgile: que ele provocasse a ruptura por parte de alguém era algo bastante plausível. Como os fenômenos das marés ou da migração das aves selvagens, fazia parte da ordem natural das coisas. Virgile sentia-se feliz por poder contradizê-la e, pelo menos uma vez, com razão.
- Nós não estávamos juntos. Nem sequer a conheço.
A doutora Zerkin segurou os óculos entre os dedos e começou a limpar as lentes. O caso a interessava. Após uma jornada inteira ouvindo neuroses clássicas, não tinha nada a opor a um pouco de fantasia. Recolocou os óculos e afastou as mãos num gesto de interrogação.
- E como você interpreta isso?
- Não quero interpretar. Quero entender.
- Ah, é?"
Martin Page

E com isso, além dos 400 projetos, acabei comprando alguns livros por me interessar por citações bacanas.
Talvez uma história de amor, de Martin Page, foi o primeiro deles. Curiosidade aguçada a partir da história desse rapaz que chega em casa e ouve um recado de uma garota declarando o fim de seu relacionamento, relacionamento este que ele não se lembra, assim com da garota.
Lembrei de o O brilho eterno de uma mente sem lembrança, um dos meus top 10 filmes definitivos, e li o livro em 48 horas.
Com frases incríveis, sacadas filosóficas e um protagonista doente e de fácil identificação, a leitura flui. Não posso negar que meu lado romântico hollywoodianamente pervertido ficou decepcionada com o desfecho. Mas, por favor, não me entendam mal, o livro é bom. Agora fiquei curiosa pelos outros títulos do autor...
Segue trecho de Talvez uma História de Amor, de Martin Page, traduzido por Bernardo Ajzenberg
“…
Depois de desligar da tomada o abajur da mesa para ligar a do aparelho da secretária, Virgile apertou o botão de leitura. A mensagem apareceu.
- Então essa mulher o deixou – disse a psicanalista.
- Não exatamente.
- Mas ela disse isso claramente. Você é que não está aceitando.
A doutora Zerkin acreditava ter posto o dedo na ferida. Afinal de contas, os dois conheciam a situação da vida sentimental de Virgile: que ele provocasse a ruptura por parte de alguém era algo bastante plausível. Como os fenômenos das marés ou da migração das aves selvagens, fazia parte da ordem natural das coisas. Virgile sentia-se feliz por poder contradizê-la e, pelo menos uma vez, com razão.
- Nós não estávamos juntos. Nem sequer a conheço.
A doutora Zerkin segurou os óculos entre os dedos e começou a limpar as lentes. O caso a interessava. Após uma jornada inteira ouvindo neuroses clássicas, não tinha nada a opor a um pouco de fantasia. Recolocou os óculos e afastou as mãos num gesto de interrogação.
- E como você interpreta isso?
- Não quero interpretar. Quero entender.
- Ah, é?"
sábado, 14 de agosto de 2010
Penada?

Na prática, a população não consegue medir a aplicação dessas penas e muito menos verificar se são realmente cumpridas. Do meu ponto de vista essa solução intermediaria passa a sensação de impunidade, porém o fato de evitar que o sujeito vá para o cárcere é uma atitude positiva, pois o não contato de praticantes de pequenos delitos com bandidos perigosos parece salutar.
Trata-se de um mal menor. Às vezes acho que a ideia real era diminuir a superlotação dos presídios ou reduzir os custos do sistema penitenciário, sei lá. Visualizem a diretora dos museus de pijama listradinho. A semelhança com as prisões que vemos em filmes americanos está longe de ser verdadeira, começa e acaba no traje. Bom, mas de qualquer maneira ela seria uma penada e não uma condenada, então não adianta ficar imaginando a cena.

Mas, os penados acabam quebrando o galho de muitas localidades, tais como secretarias de estado, casas de cultura, prefeituras, etc, etc. Pintam paredes, praticam jardinagem, limpam banheiros, varrem ruas, dentre outros serviços. Será que tem algum que toca piano ou outro instrumento qualquer? Afinal está se falando em cultura... Organização de um sarau, deve ter entre eles, alguém que seja bom na cozinha e a festa estaria pronta! Talvez um padeiro... Imaginem aquela torta de limão que a vó Benta fazia? Vai que algum penado era neto dela... Ah, eu quero um para cortar grama e colocar minha roupa no varal e você?
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Apostasia
A grande mídia tem alardeado nos últimos dias a repercussão internacional do caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por lapidação pelos tribunais de seu país. Seu crime teria sido o adultério, mesmo estando seu marido...morto há algum tempo. Muitos movimentos mundo a fora tentam conseguir a clemência do governo persa para a condenada, tendo havido, inclusive, uma manifestação – mais hilária do que eficiente – do presidente Lula, no sentido de oferecer asilo à mulher.
É bem verdade que fica bastante difícil para os ocidentais – e mais ainda para os brasileiros – compreender a estranha figura jurídica do adultério cometido em face de um morto. Muito provavelmente o laço que une os casais segundo a lei islâmica é definitivamente inquebrável, desdenhando até da “única certeza”. Mas como a análise jurídica de leis (e crimes) pouco ortodoxos aos nossos olhos pode fazer-nos cair num ocidentocentrismo desavisado, é melhor que evitemos as teorizações sobre a “charia” – a lei islâmica – e busquemos uma compreensão mais pragmática do caso.
O Irã tem estado ultimamente nos noticiários, menos no caderno internacional e mais próximo das páginas policiais. Na condição de pária da comunidade internacional – exceto pela aproximação de Brasil e Turquia – o Irã reforça a autoridade de seu governo perante sua própria população com uma postura agressiva, autoritária e que simplesmente desdenha dos pactos internacionais de Direitos Humanos outrora firmados. A título de curiosidade, podemos apontar o fato de ser o Irã o país que mais tem menores de 18 anos no corredor da morte. Os dados são imprecisos mas ao que tudo indica 114 jovens, meninos e meninas, aguardam execução. Ainda, segundo dados do Iran Human Rights, mais de uma pessoa é executada por dia naquele país, e o número de condenações é crescente.
A lista de crimes que pode levar à pena de morte não é pequena. Além do assassinato – crime para o qual a pena de morte ainda é admitida em certos países ocidentais -, o Irã também pune com a pena capital o estupro, o roubo à mão armada, seqüestro, tráfico de drogas e o adultério feminino. Silencia, contudo sobre o adultério masculino.
Mas o crime mais complexo, de difícil definição, passível de pena de morte é o que se costuma chamar de “apostasia”. Para aqueles que, como eu antes de decidir escrever esse texto, não sabem o que é apostasia, aqui vai uma explicação. O apóstata é aquele que se desvia de seu caminho com deus. Em outras palavras, a apostasia é o ato de deixar de praticar uma específica fé religiosa. No caso do Irã, aqueles que deixarem de ser muçulmanos poderão ser condenados à morte, em virtude do crime de apostasia.
É curioso como esse fato, por si só, evidencia o abismo que separa o mundo ocidental contemporâneo do Irã. Afinal, mais do que uma simples legislação penal, a definição do crime de apostasia se baseia numa visão de mundo que despreza a mudança e que não tolera que o indivíduo pense por si só. Não admite que ele mude de idéia. Não vê a mudança como um elemento natural da existência.
E, no fundo, o crime de Sakineh, que aguarda para morrer, foi unicamente querer mudar, e continuar a viver, mesmo depois da morte do marido.
É bem verdade que fica bastante difícil para os ocidentais – e mais ainda para os brasileiros – compreender a estranha figura jurídica do adultério cometido em face de um morto. Muito provavelmente o laço que une os casais segundo a lei islâmica é definitivamente inquebrável, desdenhando até da “única certeza”. Mas como a análise jurídica de leis (e crimes) pouco ortodoxos aos nossos olhos pode fazer-nos cair num ocidentocentrismo desavisado, é melhor que evitemos as teorizações sobre a “charia” – a lei islâmica – e busquemos uma compreensão mais pragmática do caso.
O Irã tem estado ultimamente nos noticiários, menos no caderno internacional e mais próximo das páginas policiais. Na condição de pária da comunidade internacional – exceto pela aproximação de Brasil e Turquia – o Irã reforça a autoridade de seu governo perante sua própria população com uma postura agressiva, autoritária e que simplesmente desdenha dos pactos internacionais de Direitos Humanos outrora firmados. A título de curiosidade, podemos apontar o fato de ser o Irã o país que mais tem menores de 18 anos no corredor da morte. Os dados são imprecisos mas ao que tudo indica 114 jovens, meninos e meninas, aguardam execução. Ainda, segundo dados do Iran Human Rights, mais de uma pessoa é executada por dia naquele país, e o número de condenações é crescente.
A lista de crimes que pode levar à pena de morte não é pequena. Além do assassinato – crime para o qual a pena de morte ainda é admitida em certos países ocidentais -, o Irã também pune com a pena capital o estupro, o roubo à mão armada, seqüestro, tráfico de drogas e o adultério feminino. Silencia, contudo sobre o adultério masculino.
Mas o crime mais complexo, de difícil definição, passível de pena de morte é o que se costuma chamar de “apostasia”. Para aqueles que, como eu antes de decidir escrever esse texto, não sabem o que é apostasia, aqui vai uma explicação. O apóstata é aquele que se desvia de seu caminho com deus. Em outras palavras, a apostasia é o ato de deixar de praticar uma específica fé religiosa. No caso do Irã, aqueles que deixarem de ser muçulmanos poderão ser condenados à morte, em virtude do crime de apostasia.
É curioso como esse fato, por si só, evidencia o abismo que separa o mundo ocidental contemporâneo do Irã. Afinal, mais do que uma simples legislação penal, a definição do crime de apostasia se baseia numa visão de mundo que despreza a mudança e que não tolera que o indivíduo pense por si só. Não admite que ele mude de idéia. Não vê a mudança como um elemento natural da existência.
E, no fundo, o crime de Sakineh, que aguarda para morrer, foi unicamente querer mudar, e continuar a viver, mesmo depois da morte do marido.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
CARTA A ROSA
Querida Rosa Bertoldi, o mesmo vírus que atacou você me pegou de jeito. Quiçá conseqüência dos anos vividos, quiçá reflexo dos tempos bicudos, quiçá efeito tardio da miséria vista nas férias passadas, o fenômeno virótico tem se manifestado quando, postada à frente do computador, tento escrever algo leve e atual para o blog. Não sai.
Tenho escrito contos lúgubres mais para Poe do que para L F Veríssimo.
O fato é que nem por e-mail têm chegado mais piadas de tipo nenhum, o humor bateu asas. O falso sorriso da Dilma? A cara preocupada do Serra? A gesticulação irritante do Lula nos seus ternos impecáveis e com o cabelinho meticulosamente arranjado ou desarranjado, conforme a situação? A cara de madona arrependida de dona Marisa? A perspectiva de uma massacrante campanha? Os policiais corruptos, a violência dos bandidos, os assaltos, roubos, furtos? Os oito filmes ruins em exibição nesta cidade? Quem assumirá a responsabilidade pelo seqüestro do nosso humor?
Melhor que pedissem resgate, pagaríamos, e que o devolvessem.
Por isto, minha querida amiga e xará, não se preocupe, obedeça às recomendações dos que afirmam ser essencial o pensar positivo, aliás você já leu o Código Isaías? Controle seus pensamentos, vírus não têm vida longa. Aguarde.
Um carinhoso e virótico abraço
Tenho escrito contos lúgubres mais para Poe do que para L F Veríssimo.
O fato é que nem por e-mail têm chegado mais piadas de tipo nenhum, o humor bateu asas. O falso sorriso da Dilma? A cara preocupada do Serra? A gesticulação irritante do Lula nos seus ternos impecáveis e com o cabelinho meticulosamente arranjado ou desarranjado, conforme a situação? A cara de madona arrependida de dona Marisa? A perspectiva de uma massacrante campanha? Os policiais corruptos, a violência dos bandidos, os assaltos, roubos, furtos? Os oito filmes ruins em exibição nesta cidade? Quem assumirá a responsabilidade pelo seqüestro do nosso humor?
Melhor que pedissem resgate, pagaríamos, e que o devolvessem.
Por isto, minha querida amiga e xará, não se preocupe, obedeça às recomendações dos que afirmam ser essencial o pensar positivo, aliás você já leu o Código Isaías? Controle seus pensamentos, vírus não têm vida longa. Aguarde.
Um carinhoso e virótico abraço
Assinar:
Postagens (Atom)