domingo, 15 de agosto de 2010

Sem lembrança

"A separação é vivida com um atentado planejado meticulosamente, pois a bomba foi colocada bem no nosso coração: é impossível escapar da viol~encia de sua deflagração"
Martin Page


Recentemente fui membro de uma comissão para premiar espetáculos inéditos de teatro. Li muito. Ao todo eram 400 projetos. Quase fiquei louca! Mas foi genial. É uma delícia ler propostas criativas. Sonhos e imagens que podem ou não vir a se realizar. Idéias.
E com isso, além dos 400 projetos, acabei comprando alguns livros por me interessar por citações bacanas.
Talvez uma história de amor, de Martin Page, foi o primeiro deles. Curiosidade aguçada a partir da história desse rapaz que chega em casa e ouve um recado de uma garota declarando o fim de seu relacionamento, relacionamento este que ele não se lembra, assim com da garota.
Lembrei de o O brilho eterno de uma mente sem lembrança, um dos meus top 10 filmes definitivos, e li o livro em 48 horas.
Com frases incríveis, sacadas filosóficas e um protagonista doente e de fácil identificação, a leitura flui. Não posso negar que meu lado romântico hollywoodianamente pervertido ficou decepcionada com o desfecho. Mas, por favor, não me entendam mal, o livro é bom. Agora fiquei curiosa pelos outros títulos do autor...

Segue trecho de Talvez uma História de Amor, de Martin Page, traduzido por Bernardo Ajzenberg
“…

Depois de desligar da tomada o abajur da mesa para ligar a do aparelho da secretária, Virgile apertou o botão de leitura. A mensagem apareceu.

- Então essa mulher o deixou – disse a psicanalista.

- Não exatamente.

- Mas ela disse isso claramente. Você é que não está aceitando.

A doutora Zerkin acreditava ter posto o dedo na ferida. Afinal de contas, os dois conheciam a situação da vida sentimental de Virgile: que ele provocasse a ruptura por parte de alguém era algo bastante plausível. Como os fenômenos das marés ou da migração das aves selvagens, fazia parte da ordem natural das coisas. Virgile sentia-se feliz por poder contradizê-la e, pelo menos uma vez, com razão.

- Nós não estávamos juntos. Nem sequer a conheço.

A doutora Zerkin segurou os óculos entre os dedos e começou a limpar as lentes. O caso a interessava. Após uma jornada inteira ouvindo neuroses clássicas, não tinha nada a opor a um pouco de fantasia. Recolocou os óculos e afastou as mãos num gesto de interrogação.

- E como você interpreta isso?

- Não quero interpretar. Quero entender.

- Ah, é?"


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