Como diria Oscar Wilde meus amigos têm que
ter pupilas com brilho questionador e tonalidade inquietante. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Como é bom ter o ombro, apoio, estímulo, encanto dos amigos!
Tenho amigos de infância, e olhe que faz tempo...amigas que seguraram minha mão minutos antes de entrar na igreja para casar, que secaram minhas lágrimas no enterro de pais e irmã, sentaram aqui em casa e conversaram após cada aborto que tive, vieram para batizados, apresentações de balé e formatura, do jardim da infância à faculdade, das minhas filhas. Amigas que cuidaram dos meus cachorros, molharam plantas e visitaram mamãe para que eu pudesse ir à Europa, outras e outros que lêem o que escrevo, comentam, corrigem, sugerem, censuram ou aplaudem.
Já acompanhei amiga à prisão para visitar o filho dependente, já ofereci bolo e canja às doentinhas. Guardei segredos e fiz julgamentos, ouvi histórias de amor e de horror.
Amigos loucos tenho poucos, um pintor que perdeu esposa depois de ter pintado modelos nuas (a separação não aconteceu por causa da nudez, mas pelo sumiço de dez dias sem explicação nenhuma, após a sessão de pintura), outro pintor avesso à paternidade, que perdeu a esposa trinta anos mais nova ansiosa pela maternidade. Ele até hoje coloca uma mancha vermelha em todos os quadros para dizer à amada perdida que ainda a ama. Uma amiga desvairada que foi a Paris levando nove pares de sapatos e que justificou-se dizendo que Paris não poderia vê-la sempre com o mesmo calçado!!! Essa viaja, mesmo que seja por um dia, com o porta-malas cheio de roupas.
Tenho amiga que detestava a mãe, mas chora arrependida por não ter estado com ela até a morte. Com essa estou tendo um trabalho danado.
Tenho amiga que me quer por perto nos cursos mais loucos, nos médicos e festas. Tenho amiga que me mostra caminhos e avisa dos descaminhos.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Desisti de amigos a quem a falta de sinceridade fez esconder problemas, aqueles para quem tudo sempre vai bem.
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo / Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,/ Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,/ Que tenho sofrido enxovalhos e calado (Fernando Pessoa)como poderia suportar tal perfeição?
E quero amigos alegres, não os que nunca dormem uma noite em paz, os que têm dores incuráveis, problemas incontáveis, angústias inenarráveis. Quero-os a rir de si mesmos, das bobagens, dos erros, das dores, da idade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa.
Ah, bons e maravilhosos amigos que sabem a hora de abraçar e o tempo de tomar distância.Quanto os quero!
Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
NOTA - Em negrito Oscar Wilde e Fernando Pessoa.
5 comentários:
Que texto bom... Tenho pensado muito nessa coisa de amigos ultimamente... tenho poucos e cada vez diminuem mais. Nao sei se nao soube mante-los. Nao sei se realmente eram amigos. Nao se se eu era o falso. Tenho pensado muito porque estou sò aqui. Sem amigos por perto (fisicamente, ao menos). Queria ter sido mais dependente, menos desconfiado, mais tranquilo, mais honesto, mais arrojado e menos perfeccionista. Teria muito mais amigos e coisas assim prà escrever
Lindo o texto.Me identifiquei muito com o que escreveu.Ficamos na busca de amizades perfeitas e na verdade é essa imperfeição que faz das amizades maravilhosas e inesquecíveis.
Rosa, minha amiga, serei eu um pouco disso tudo?
Bom, pelo menos para ir a festas eu sou boa, não é? Pensando bem, também sou companhia para café, para macarronada, para rir ou chorar junto. Hoje mesmo chorei com a Lucia, uma amiga lá na Unesp, quando falamos de alguem querido e perdido recentemente. Sim, acho que vc pode dizer que serei sua amiga para sempre, mesmo que não preencha todos aqueles requisitos de Pessoa e Wilde. Pudera vc também escolheu os homens a dedo, hein??
Beijão
Janira
É muito possível que você tenha tido uma sorte grande em sua loteria de amigas e amigos. Mas, estatisticamente falando, nós nos familiarizamos com as pessoas e nem sequer chegamos a praticar deliberadamente o que o texto de Rosa Gabrielli reconhece como amizade, porque dizer,ei, amigo, me empresta aí dez mil reais, invalida a relação como um bloqueio, uma censura. e soa como início de uma rebelião que nos segrega. A amizade não se desvaloriza com a esperteza do outro, nem nos faz perder a familiaridade.
Amei...como sempre.
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