segunda-feira, 25 de maio de 2009

JANAÍNA ME FEZ LEMBRAR


Domingo Janaína falou sobre sua cara de boba ao segurar Carmela Gros no colo. É uma sensação estranha, localizada numa área entre reverência e júbilo, cuidado e euforia. Pensando em sua carinha alegre, que de boba não tem nada, tive acesso à minha própria cara num dia...

Tiradentes não era famosa, anos 70 do século passado, quando fui lá. Igrejas abandonadas, casas decadentes, comércio nenhum, lazer nem pensar...Tudo fechado.

Descobri onde morava o zelador das igrejas. Pedi que abrisse a matriz. A emoção começou ao olhar aquela chave de São Pedro ser introduzida numa fechadura várias vezes tocada, talvez, por Aleijadinho...

O que encontro? Uma igreja linda com um órgão de fole magnífico com oito fileiras de tubos, com todas as flautas preservadas, tendo ao lado um baú enorme, daqueles que a gente viu em Terra Nostra, cheio de partituras manuscritas. Fiquei enlouquecida e comecei a cantarolar aquelas notas de tantos séculos, tantas vezes executadas e alí jogadas, roídas por traças, abandonadas. Pensei nos coros, ouvi o som daquelas vozes e senti o cheiro de incenso. Fiquei com muita pena do Brasil. Que descuido!

O zelador, vendo minha emoção, quis ser gentil e disse que eu poderia levar uns papéis daqueles porque não tinham serventia nenhuma. Eu alisava os "papéis", segurava no colo, chorei sobre eles. Desorientado o zelador disse: se a moça (eu era moça, então) quiser, eu puxo o fole.

E eu quis. E eu toquei Tantum Ergum Sacramentum num órgão barroco cheia de angústia, com a sensação de estar fazendo a coisa errada. Não quis nenhum daqueles "papéis", não seria ético apossar-me de tais maravilhas, partituras valiosíssimas que ficaram lá jogadas. Fiz a coisa certa? Que fim terão tido? Quantas outras pessoas passaram por ali e tiveram a oportunidade de levar os "papéis" gentilmente oferecidos pelo zelador?

Só agora, no século XXI tomaram-se providências. O organeiro alemão Gerhard Grenzing, membro de uma organização especializada na recuperação de órgãos históricos, foi chamado para avaliar as condições do instrumento. Desmontou e identificou as peças danificadas que foram restauradas em Barcelona. Construído em 1785, em Portugal tem a caixa de madeira, em estilo rococó, criada no fim do século XVIII e início do XIX, que foi recuperada aqui mesmo no Brasil, em São João Del Rei.

Todo o trabalho durou um ano. Em 7 de fevereiro de 2009 ele foi reinaugurado e uma série de concertos didáticos têm sido apresentados à população como forma de reinserção do instrumento.

Sabe-se que o mesmo foi encomendado por Manoel Jorge Ribeiro a seu irmão Domingos Jorge Ribeiro, que vivia no Porto e este adquiriu, de Simão Fernandes Coutinho, a parte mecânica de um órgão médio, que aqui chegou em agosto de 1788. O entalhador Salvador de Oliveira foi contratado para desenhar a caixa do órgão e trabalhar na talha. A pintura e o douramento foram executados por Manoel Victor de Jesus em 1798. Seu projeto de restauração recebeu um prêmio da Petrobras, está lindo!!!


Quem quiser, poderá vê-lo e ouvi-lo em:
videolog.uol.com.br/video.php?id=410856