Gripe pesada. Dor de cabeça. Coriza e mal estar... Receita para a rabugice e para um texto com 0% de inspiração literária. Minha veia analítica fez-se mais presente e auxiliadora na elaboração destas idéias.
O ponto que inspira estas elucubrações frias é uma conversa que tive esses dias com uma amiga, em meio à amendoins e uma cervejinha. Conversávamos amenidades quando alguém comentou (não sei se eu ou ela) que algumas lojas voltaram a vender discos de vinil 0km. Por óbvio, as gravadoras também estavam apostando nessa retomada do chiadinho e da agulha em caixinhas sobre a estante empoeirada com lançamentos e relançamentos. Novos e clássicos. Tudo de volta (nunca me esquecerei de ir passear na Rua Batista de Carvalho e voltar para casa carregando apaixonado meu disco Xuxa nº2, enquanto minha mãe admirava sua aquisição da trilha sonora de “Passagem para a Índia”).
Inobstante a imensa nostalgia, a questão que veio a tona foi a seguinte: porque? Porque as gravadoras voltavam, nesse momento, à investir no lançamento de discos de vinil (caríssimos, diga-se de passagem)? Duas respostas são automáticas: para combater a pirataria, e/ou porque há uma demanda do mercado pelo retorno dos bolachões.
Mesmo com toda a tentação do mundo, não posso me entregar à discussão sobre a origem da decisão das gravadoras, vez que fazê-lo seria ficar discutindo se o mercado faz a demanda, ou a demanda faz o mercado. Embora de natureza econômica, essa pergunta tem nuances filosóficas e de forte pendor de psicologia de massas. Mas como não tenho interesse de trilhar esse rumo, dobro à esquerda.
A questão que proponho é a seguinte: acredito que estamos (não sei se por nós mesmos ou se por imposição de um grande irmão escondido em algum lugar do mundo ou de minha mente paranóica) cada vez mais em busca de uma ritualização de nossas atividades cotidianas, que se tornaram, com a massificação da produção capitalista, imediatas e desprovidas de sentido. O cd e o mp3 trouxeram a música para (quase) dentro de nossas cabeças. O Mcdonalds transformou a ingestão de nutrientes (!!!) em uma atividade semelhante à de abastecer um carro. Todas as nossas atividades, sem exceção, foram simplificadas ao extremo, ao ponto de não nos ser permitido um tapinha nas costas ou “como vai a família” com o gerente do banco, uma vez que temos o Caixa Eletrônico e a voz irritante do computador. A internet (essa nossa heroína de todas as semanas) roubou-nos o prazer de fazer compras, de passear em livrarias. Enfim, sob o pretexto da velocidade, da facilidade, da praticidade, subtraiu-se nosso ritual de vida. E tudo perdeu o sentido, no sentido mais objetivo que se possa perder.
Não me lembro muito bem quem foi, mas sei que alguns filósofos trataram desse tema, qual seja, o da perda de sentido pela repetição. Creio até mesmo que seja um atributo psicológico de nossa mente. A repetição contínua de uma atividade acaba por retirar o sentido das coisas. O significado (meaning) só pode estar presente em algo que é raro e finito – motivo pelo qual a vida tem um significado intrínseco – e a humanidade, ao longo de milênios e milênios lidou, sacralizou situações e manteve uma relação com as coisas e seus significados. Todavia, de duzentos anos pra cá, a obsessão pela produção resolveu que tudo que não fosse ligado à produção de bens ou serviços com valor de mercado deveria ser posto de lado ou ter sua influência na produção reduzida ao máximo. Com isso, a vida, ao fim e ao cabo, termina por ser tão saborosa quanto um McFish (que pra mim tem gosto de isopor).
A idéia que propus é a seguinte: pode ser que estejamos buscando, cada vez mais, talvez num exercício arbitrário de luxo, dar sentido às coisas. Retornamos à infância, em que aprendemos a nomear as coisa (vez que nomear é atribuir significado). Por isso, preferimos comida japonesa - que não pode ser desritualizada, pois senão perde 90% do sabor – à um lanche rápido. Preferimos um disco de vinil (que tem que ser limpo, posto na vitrola, delicadamente colocado em contato com a agulha, e tem dois lados) a uma música sem sentido tocando num mp3 qualquer. Enfim, preferimos o ritual e o significado à velocidade insossa.
Pode ser que eu esteja devaneando e não consiga convencê-los. Não consegui convencer minha amiga. Para ela, é tudo imposição do mercado, criando novos mercados.
Qual a opinião de vocês?
3 comentários:
Gostei muito da sua ideia. Pode ser... prometo pensar nisso porque faz sentido.
É um pouco complicado responder. Pense no ritual de tomar um bom café espresso. Estou no México, onde o café definitivamente não é bom. Comprei uma máquina Nespresso (admito que o George Clooney influenciou SIM, mas o principal é que custa metade do preço daí) que permite qualquer imbecil, faça um café espetacular. O sentido na minha opinião não está em prepará-lo, tanto que criaram uma máquina a prova de erros... e sim em desfrutá-lo. O mesmo poderia ser com a música... é colocá-la no mp3 ou vinil que seja ou escutá-la que faz sentido? Acho que pendo mais para o lado da sua amiga...
bonequinho disse: devo ir automático?
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