segunda-feira, 13 de julho de 2009

ELO

Durante anos, sentada ao lado da mãe dócil, amorosa e silenciosa, tentou manter diálogo. Chegava sorrindo, relatava os acontecimentos da noite anterior, do dia, falava, falava, tentando manter a frágil figurinha que há tempos fora a fortaleza da família, desperta para o dia-a-dia. Ás vezes conseguia, geralmente não.

As tentativas, não poucas vezes, tiveram como resultado apenas um olhar vazio, distante, ausente. Mas ela não desistia. Dia após dia, mês após mês, anos e anos, repetia-se a cena ao entardecer.
Buscou ajuda quando sentiu-se fraquejar. Não podia, não queria que sua amada mãe sofresse. Precisava mantê-la viva, informada, atenta, mesmo que ligada por um fio à realidade. Percebia claramente quando o assunto interessava pelo olhar atento, o sorriso esboçado no rosto delicado e rosado ou pelo movimento tênue das mãos de pianista. Se a conversa não interessasse os olhos moviam-se para o teto, acompanhados de suspiro impaciente. Depois fingia dormir.

Sentadas lado a lado rezavam a Ave Maria no final da tarde, costume antigo dos católicos, viam novela ou a mãe dormia na poltrona até ouvir "boa-noite, querida!"sussurrado pela filha junto ao seu rosto acompanhado de um beijo. Só então concordava em ir para a cama.

Quando muitos dias de mutismo e alienação sucediam-se, a filha sentia desespero. A mãe permanecia em sua caverna, em seu mundo de memórias. Executava peças fazendo rápidos movimentos num piano imaginário, sorria para seres que a circundavam e rezava expressando fervor na fisionomia. Nesses períodos olhava com cara feia para a filha e todas as tentativas de tocá-la resultavam infrutíferas, mãe permanecia impermeável, vitrificada. Abrir a boca para tomar sopa era o único sinal manifesto de seu contato com o mundo material.

A filha buscou ajuda profissional. Sentia-se vacilante, sem vontade de dar seu plantão amoroso ao lado da mãe, desanimada. Foi aconselhada a fazer alguma coisa manual, laborterapia, que ajudaria a mantê-la calma e ocupada estando sentada ao lado da mãe sem sentir-se desconfortavelmente inútil.

Competência não tinha mas muniu-se de lãs coloridas e agulhas para fazer tricô. E fez os pontos simples que a mãe ensinara quando ainda era uma criança. Só conseguia fazer quadrados.
Foi o remédio perfeito. Antídoto para o tédio que permitia também dar vazão à sua fantasia e criatividade na hora de escolher as cores. Levava para casa da mãe as lãs mais coloridas que encontrava e fazia quadrados. Ia enchendo sacos.

Quando a mãe faleceu, vendo os sacos cheios de quadradinhos classificou-os como problema para resolver depois. Coisas muito importante estavam à frente. O tempo passou e o saco esquecido permaneceu num canto com outros guardados. Lembrou deles ao saber do neto.

Numa tarde, quando com ritmado movimento unia com seus pontos de crochê os velhos quadradinhos coloridos, há anos guardados num baú, foi atingida por um raio de compreensão. Inundada de ternura percebeu-se elo entre gerações. Incontidas lágrimas nutriram-na e em prece agradeceu o privilégio de ter essa leve percepção do mistério da vida.

Esse metrônomo marcado pela confecção dos pontos, que acompanhara a partida da mãe marcava agora o tempo de expectativa pela chegada de Pedro.

Os quadradinhos guardados no fundo de um gavetão, esconderam-se das doações, da fúria/necessidade de se desfazer das dolorosas memórias e ficaram lá...

Pedro terá um lindo cobertor, todo colorido, feito com os quadradinhos de tricô fabricados pela vovó enquanto a bisa partia e ligados por crochê também pela vovó, enquanto sua chegada é tão esperada.

Totalmente plena de amor pensou: seja bem vindo, querido! Você gostará deste presente da vovó e da bisa.

6 comentários:

Marília disse...

O Pedro terá a avó mais linda,mais sincera e mais carinhosa,do mundo todo. Uma pena,a vovó não estar mais aqui,ele seria doido por ela,sem sombra de dúvida.A minha avó,foi a melhor a avó do mundo e eu tenho certeza,absoluta que a avó dele,também será a melhor do mundo! Te amamos mãe,fez nosso final de tarde se aquecer um pouco,com o calor das nossas lágrimas escorrendo pelos nossos rostos,foi demais poder ler tudo isso e lembrar cada dia que se passou,lá na casa da vovó.
Beijos,beijos e muitos beijos!
Ma,Victor e Pedro.

Janaina Fainer disse...

Lindo lindo lindo o texto
e parabéns pelo neto
bjsssssss

Rosa Bertoldi disse...

Rosa Leda:
Parabéns!!!!!!!!
O texto é de uma sensibilidade incomparável.
Bjs
Rosa Bertoldi

Ruth Campos disse...

Tia,

lindo demais seu texto, sensível e poético... Assim como a Má não contive as minhas lágimas... Parabéns!!! Estamos muito felizes e ansiosos com a chegada do Pedro, que será um menino muito amado por todos nós.

Bjs,

Ruth e Vitor.

Unknown disse...

Eu me sinto orgulhosa em ter uma tia como voce!
Lendo tudo isso, não dá para não recordar todos os momentos que passamos com a vovó, do beijinho que ela mandava quando a gente estava na porta prontos para sair! E com certeza ela esta la em cima, feliz em ver como todos estamos ancioso para a chegada desse menininho, que sera o mais mimado da familia!
beijos
te amo muito

Anônimo disse...

Um senhor, de nacionalidade japonesa, era entrevistado em um dos canais de televisão. Contava sua vida. A pergunta mais esperada: o senhor é feliz? De pronto respondeu: sim! enfaticamente, e depois lhe foi indagado: porque? E, com a mesma firmeza falou alto: Porque eu sou avô!
A felicidade da avó, da bisa, é poder passar a vida para o neto e o bisneto, passar a vida no tricô dos gestos, dos afagos, dos abraços, dos beijos, dos sorrisos, dos tetês, e das chupetas. Transmitir tudo que a vida ensinou e foi filtrado para ser transmitido. O maior presente do neto é dizer vovó. O texto transforma a ternura no grande nutriente do neto, e, nisto, nada maior do que o abraço. Parabéns.