segunda-feira, 10 de agosto de 2009

TÃO JOVEM E TÃO...

Hoje descobri que, de certa forma, sou esnobe.
Com intenção de comprar um presente entrei na melhor livraria da cidade. Em dúvida sobre uma caneta tinteiro ou um vale-livro, parei frente às canetas quando aproximou-se uma mocinha com o elegante uniforme da loja, o que lhe dava um carimbo de eficiência e perguntou se poderia me ajudar.
No rosto jovem estampava agradável sorriso e os óculos de aro grosso davam-lhe ares intelectuais. Coisas arquetípicas mas que atingem as pessoas normais. Sorri confiante
- Não sei se levo um vale livro ou uma caneta tinteiro, eu adoro canetas tinteiro... mas vamos ver...quanto custa o vale livro?
- Um momento, por favor. Foi a deixa para afastar-se.. Voltou em segundos.
- Depende de quanto a senhora quer gastar.
- Isso é claro, meu bem, mas quais são as alternativas?
- Um momento, por favor...(vários minutos)...Temos de 30, 50 e 100 reais.
- Ótimo. Se eu levar o de 100 a pessoa poderá fazer opção pela caneta, ou o vale livro só vale livro?
- Como assim?
Expliquei pacientemente.
- Um momento, por favor.... (vários minutos)...Bom a senhora pode levar um objeto mas se for de valor menor a gente não pode devolver o dinheiro...
- Ok, isso parece normal embora não seja justo, e se for de valor maior é só pagar a diferença, certo?
- Um momento,por favor
- Você não sabe nada?
- A senhora quer saber o quê?
- Quero saber se você pode me mostrar as canetas.
- Que caneta a senhora quer?
- Essas que estou olhando do outro lado do vidro... você poderia me deixar examiná-las?
- Mas a senhora quer dessa ou de outra marca?
- Estou vendo só Crown. Que outra marca tem?
- Um momento, por favor.
- Temos Shaffers e Parker. Qual a senhora quer?
- Minha filha, eu quero ver alguma caneta. Aquela xadrez, mostre-me aquela.
- Tem xadrez da Mont Blanc, uma marca muito boa, a senhora quer?
Saí da livraria furiosa levando um saco prateado e um lacinho na mão, um vale livro desembrulhado e outro livro também desembrulhado porque o rapaz dos pacotes tinha ido ao banheiro.
Alguns quarteirões depois entrei na locadora pisando duro, irritada. Perguntei secamente:
- Tem algum “Visitante”?
- No momento não temos mas deve voltar às 18 horas. Caso a senhora queira poderemos lhe telefonar quando chegar, mas a senhora já viu Operação Valquíria? Tem sido muito bem qualificado. Se gostar mais de romance, tem um francês, Amar Não tem Preço com a Audrey Tautou...
- Não sei, não conheço. Operação Valquíria já vi.
- Ah! A Audrey além de ser bonita é ótima atriz , é a Amelie Poulain, lembra? A história não é boba, o tema é adocicado mas sem subestimar o bom gosto e a inteligência do público, isso se a senhora for romântica. Senão.....
Não trouxe o filme romântico mas às 22 horas tocou o telefone da minha casa:
- É o Ricardo, da locadora. O filme acabou de chegar.
- Mas eu nem deixei meu número!
- A gente tem no arquivo..
Sou uma esnobe mas esnobe simples...Ah, como seria bom se todos tivessem o nível deste rapaz. Acabei trazendo também a Troca, com a Angelina Jolie de quem nem gosto tanto e mais quatro outros filmes porque estavam na promoção, só para agradar o moço e parecer inteligente.
Se vi o filme? Vi e gostei embora os críticos tenham se dividido sobre sua avaliação. Recomendo.
O Visitante, com Richard Jenkins, Haaz Sleiman, Danai Jekesai Gurira e Hiam Abbass. Direção de Tom McCarthy.

4 comentários:

Rosa Bertoldi disse...

Rosa:
esse garoto da locadora é incrível e entende de cinema, daí trabalhar com filmes. Tive várias experiências desse tipo com ele.
A gente precisa dizer isso a ele ou pedir para ele seu texto.
Parabéns por descrever de forma tão crua o atendimento das livrarias e outros comércios por aí.....
Bjs
Rosa II

Anônimo disse...

Vou ser sincero. Não havia entendido o motivo do "esnobe" até ver a palavra “nível”. Aí a coisa se complicou. Nossos pudores ocidentais pseudo-democráticos nos ensinam que somente coisas podem ser qualificadas em níveis: nível de ruído, da água na piscina, de glicemia e colesterol, o que pressupõe uma escala com um ponto bom e um não tão bom assim. Já o povo, a “gente”, os seres humanos, seriam um conjunto de “seres” dotados, de acordo com a Barsa, o Google, e a Onu, de uma tal de dignidade, não podendo ser jamais colocados numa escala (a não ser pelo Imposto de Renda, né?). Mas, venhamos e convenhamos: dá pra ignorar que a eficiência em se fazer algo é um sinal claro de preparo, competência e tudo isso que queremos ver nas pessoas?

Não sei se isso faz de mim um esnobe também, mas entendo que essa mocinha da livraria deveria dar graças a Deus (ou aos Deuses) por não ter nascido na Índia. Lá ela seria eternamente “intocável” ...aqui ainda dá pra recuperar...

Thiago Azevedo disse...

Vou ser sincero. Não havia entendido o motivo do "esnobe" até ver a palavra “nível”. Aí a coisa se complicou. Nossos pudores ocidentais pseudo-democráticos nos ensinam que somente coisas podem ser qualificadas em níveis: nível de ruído, da água na piscina, de glicemia e colesterol, o que pressupõe uma escala com um ponto bom e um não tão bom assim. Já o povo, a “gente”, os seres humanos, seriam um conjunto de “seres” dotados, de acordo com a Barsa, o Google, e a Onu, de uma tal de dignidade, não podendo ser jamais colocados numa escala (a não ser pelo Imposto de Renda, né?). Mas, venhamos e convenhamos: dá pra ignorar que a eficiência em se fazer algo é um sinal claro de preparo, competência e tudo isso que queremos ver nas pessoas?
Não sei se isso faz de mim um esnobe também, mas entendo que essa mocinha da livraria deveria dar graças a Deus (ou aos Deuses) por não ter nascido na Índia. Lá ela seria eternamente “intocável”...aqui ainda dá pra recuperar...

Unknown disse...

Thiago:
A Rosa I chamou a tal moça da livraria de despreparada e acredito que a culpa não seja da funcionária, mas daqueles que estão um pouco acima dela e que temendo perder seu lugar não explicam nada para a coitada. Isso não justifica seu despreparado, inteligente ela deveria observar tudo e aprender, aprender...
Mas, existe um desinteresse quase geral, uma indiferença, que acaba machucando as pessoas mais vividas como nós. Então, o termo esnobe usado pela Rosa I, estava de forma simples tentando mostrar pontos de vista diferentes. Ela querendo resolver um problema: comprar um presente para alguém querido, a moça sem ser capaz de dar as respostas necessárias, daía confusão.
Adoro confusões, fazem pensar!!!!!
Janira