quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A liberdade religiosa do século XXI

Gostaria de dividir com os eventuais leitores uma impressão que aos poucos vem batendo à porta de minha nem sempre atenta consciência. É interessante e, a meu ver, digno de nota, o aumento do espaço na mídia ‘lado B’ oferecido à discussão incentivada pelo movimento ateísta, tanto no mundo desenvolvido (definição capenga, mas...), quanto aqui, no dito “em desenvolvimento” (expressão que me lembra a definição de “puberdade”). Tais temas sempre foram postos meio de escanteio pelos redatores e diretores dos meios de comunicação e, agora, começam a ganhar alguma audiência, não sei se mais pela oferta ou por pressão da demanda. O que posso apresentar, em dados objetivos é que: 1) a mais recente edição da revista Superinteressante trouxe uma matéria sobre um acampamento destinado exclusivamente a ateus de até 17 anos (não que esta seja uma idade onde se pode dizer que se acredita, ou não, em algo...); 2) a edição de agosto da já respeitada revista Piauí também trouxe uma pequena nota sobre o incremento da organização do movimento humanista secular (eufemismo para ateísmo) no Brasil, além de ressaltar os laços entre esta e outras organizações ateístas ao redor do mundo e, principalmente, na Inglaterra; 3) o canal pago de notícias GloboNews está exibindo uma série de programas gravados na Feira Literária Internacional de Paraty – FLIP – durante palestra de Richard Dawkins, biólogo queniano-britânico, autor de Best seller’s como “Deus: um delírio” e “O gene egoísta” e que é considerado referência (para não dizer um ‘messias’) entre os totalmente não-crentes; 4) o (outro) canal pago GNT exibe nos dias 24 e 31 de agosto um documentário em duas partes produzido pelo mesmo Richard Dawkins, no qual se traça um panorama dos argumentos do ateus em prol da contínua e crescente laicização das sociedades humanas.

Desde o ano de 2005 estudo o problema da Liberdade Religiosa e suas relações com as ciências sociais aplicadas e, dentre elas, mais especificamente o direito (foi este o meu trabalho de iniciação científica na área jurídica). Dos frutos desse trabalho posso oferecer aos leitores algumas conclusões no mínimo curiosas (todas amplamente abertas à discussão). Em primeiro lugar é uma ilusão acreditar que as sociedades ocidentais não sejam fortemente sustentadas por argumentos (de base) religiosos. Um exemplo nítido disso é a dificuldade que alguns membros do Ministério Público estão tendo para remover das salas de audiências de fóruns e tribunais os símbolos ostensivos da religião católica, como crucifixos. O argumento dos promotores é que, sendo o Brasil uma nação laica (sem religião oficialmente declarada), a presença de símbolos de uma determinada confissão religiosa pretere os fiéis das demais religiões, bem como os sem confissão alguma.

Outra questão interessante é a velada guerra religiosa que algumas confissões neo-pentecostais movem contra as confissões religiosas de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Rituais de “expulsão de demônios” têm sido considerados como ofensivos por vincular religiões afro à “maldade” e “energias negativas”, características veementemente negadas pelos adeptos destas. Até mesmo ataques violentos contra “pais-de-santo” já foram noticiados à polícia em comunidades do subúrbio carioca, áreas em que a presença do Estado, como sabido, é mínima (quando não totalmente inexistente).

Inegável ainda a pressão que muitos ateus sofrem ao manifestar sua descrença, num fenômeno pós-moderno, mas que repete, na essência, as perseguições religiosas da idade média. Algumas pesquisas sugerem que a rejeição a ateus é percentualmente muito maior (e bem menos noticiada pela mídia) do que a sofrida por homossexuais e transexuais, havendo relatos de perseguição no ambiente de trabalho e rompantes de violência psíquica e física. Em virtude destas opressões, parcela do movimento ateísta britânico lançou uma campanha nos moldes do “saia do armário”, buscando incentivar ateus ‘retraídos’ a manifestarem sua descrença em qualquer entidade(s) ou consciência(s) superiores.

Não obstante tais informações, e independentemente das convicções religiosas de cada um, é preciso que se considere que a crença em qualquer ou quaisquer forma(s) de deus(es) não é condição necessária da dignidade dos homens e mulheres. O debate, como sabido, é muito difícil, pois acaba muito próximo das discussões sobre arte, nas quais a subjetividade do observador fala mais alto do que nossa capacidade de expressão. Todavia, a liberdade de manifestação respeitosa é elemento da civilização em seu estágio atual. E deve ser mantida a todo custo, sendo digna de aplauso a iniciativa dos meios de comunicação anteriormente citados. Afinal, a perseguição religiosa contra não-crentes se mostra um dos maiores absurdos da humanidade deste inicio de século XXI.

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