Aconteceu com um sincronismo surpreendente: a porta do elevador bateu às suas costas, à porta da escada que conduzia ao terraço no telhado do prédio surgiram duas mulheres, a porta de um dos apartamentos abriu deixando passar um rapaz com sua bicicleta e as luzes se apagaram exatamente no instante em que o outro elevador parou.
O primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi: ainda bem que não estou sozinha. Mesmo com todo esse pessoal percebeu seus olhos arregalados e ao mesmo tempo sentiu as pernas duras.
- Socorro! estou presa no elevador, me ajudem!
A voz aguda fez-se ouvir com clareza incomum.
- Calma, está tudo escuro, o melhor é relaxar um pouco. Não há nada para fazer.
Uma das mulheres disse:
- Uau! será que é geral ou só aqui no prédio?
- terei que enfrentar a escada... alguém quer carona? Disse a outra.
- Vou com você, é muita coisa, você não vai conseguir trazer sozinha.
O rapaz juntou: terei que deixar a bike, desço com as senhoras.
Era sua vez de se manifestar: querem um café? tenho uma cafeteira elétrica ótima...
Todos riram e isso cortou um pouco sua tensão mas esse aconchego durou pouco, muito pouco.
O grito aflito cortou o clima:
- Ajudem-me, droga! vocês ficam aí de risadinha e eu estou presa nesta gaiola, já esqueceram?
- Calma, está tudo escuro, o melhor é relaxar um pouco. Não há nada para fazer...
- E ainda por cima tenho que ouvir esse cuco ou sei lá o quê falando sempre a mesma coisa. Droga! Abram essa porcaria!
Dava pontapés na porta.
- Calma, minha senhora...
O rapaz parou quando percebeu que iria dizer a mesma coisa pela terceira vez e isso irritaria a mulher ainda mais... Não havia o que dizer. Calado, voltou para seu apartamento com a intenção de guardar a bicicleta.
Sentiu que aquela malcriada, fosse quem fosse, precisava ouvir umas boas
- E você, aí no elevador, pensa que aqui está bom? Pensa que ninguém aqui tem medo de escuro?
As risadas criavam um clima de nós contra ela. Sentiam-se enturmados. A mulher do elevador era o adversário.
- Vamos indo?O celular vai ajudar.
O rapaz gentil aproximou-se da porta do elevador que continuava sendo bombardeada pelos torpedos saídos provavelmente de um sapatão ou tênis e disse, educado:
- Estamos descendo e avisaremos o porteiro, fique calma. Já já alguém virá destravar a porta.
A mal humorada gritou:
- Calma, calma... é que vocês não estão trancados aqui nesta gaiolinha a dois mil metros de altura, pendurados num araminho qualquer!
Na escuridão não puderam ver mas teria havido, possivelmente um olhar de cumplicidade entre os quatro "livres" da gaiolinha seguido por sorrisos pelos exageros. Dois mil metros? Araminho? Um pouco forçado.
- Estamos indo! Desculpe não ficar mas, você mora neste andar, não é? Sempre melhor ficar esperando a luz voltar no sofá do que aqui.
- Moro sim, fiquem tranquilos. Se falarem com o zelador para subir, peçam que traga uma vela, não tenho.
- OK! e quando voltarmos do mercado deixaremos um pacote com você... para a próxima vez.
Voltaram a rir, deixando-a já saudosa da companhia.
Ao ouvir a porta da escadaria bater a mulher do elevador começou a gritar novamente:
- Droga, droga e droga! Que merda é essa? Estou sozinha aqui?
Ficou em dúvida sobre revelar sua presença do outro lado da porta do elevador ou ir, de fininho, até seu apartamento e livrar-se dessa neurótica.
Com toda certeza não conseguiria ficar sozinha naquela escuridão... como sentia medo!Seus olhos estavam enormes.
Conseguiu arrastar-se até a porta do apartamento tentando não fazer barulho com as chaves. Ao menos teria o clarão da rua pelas janelas. Abriu a porta lentamente e sua mão foi automaticamente para o interruptor. Entrou ainda ouvindo os berros indignados:
- Droga, droga, droga!!! Intercalados pelos pontapés.
No instante em que fechava lentamente a porta para não fazer barulho e aterrorizada com o que poderia vir no escuro, pelas suas costas, as luzes acenderam.
2 comentários:
Uma vez fiquei presa em um elevador no prédio onde trabalhava. Tive a sensação descrita por Rosa Leda. A capacidade da minha vida ficou reduzida àqueles centímetros quadrados de sensibilidade. Até mesmo o pulsar de meu coração se me tornava "visível" naquela escuridão. Tinha a sensação de cair em um buraco sem fundo. Não encontrava em meu pensamento uma única fenda por onde escapar. Era só desespero. Vivia o distanciamento e a proximidade das pessoas. Sensação de outro mundo. Agora subo pelas escadas e estou mais magra.
Querida anônima, preciso responder à sua manifestação porque eu mesma nunca fiquei presa mas imaginei que daria esse terror, a sensação de estar suspenso sobre o nada. Obrigada por confirmar minha suposição.
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