segunda-feira, 8 de junho de 2009

DO MEU BANCO NO JARDIM






Em Florença, do meu banco no jardim eu vejo o despertar artístico e cultural do século XV.



Sob as árvores Dante, Petrarca , Maquiavel e eu discutimos, acomodados ao redor de uma mesa redonda



Dante diz, fleumático:
- O amor feminino dura pouco, se não for conservado aceso pelo olhar e pelo tato do homem amado.
Petrarca, compreensivamente completa:
-Na guerra do amor a fuga é uma vitória... Não te preocupes, caríssimo, preserva teu amor. Se já descobriste que para sobreviver, o amor feminino precisa ser cuidado pelo olhar e tato do homem, olha-o e toca-o.




Digo com segurança, aparteia Maquiavel, que o importante é conquistar o poder e se manter nele. Na política, no amor, em tudo. Conquista teu amor, meu caro, usa os meios necessários para preservá-lo se é este teu fim. Usa todos os recursos, os fins justificam os meios.



Eu interfiro argumentando que não podemos, como amigos, dar palpite na vida de Dante. Ele que decida o que fazer com seu amor. Casado, com filhos, viu Beatriz apenas uma ou duas vezes, como apoiar esse amor romântico e devastador?




-No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise. Estou numa crise, caríssimo, por isso vos convido a mantermos acessa esta nossa retórica – diz Dante cabisbaixo, com seu enorme nariz quase chegando ao peito.




Petrarca, arrogante, interfere:
- Pensas em tua esposa? Pois afirmo-te, as duas cartas de amor mais difíceis de escrever são a primeira e a última. A ela uma vez já escreveste a primeira, tens agora apenas metade da dificuldade a cumprir, escrever-lhe a última. Despacha-a e junta-te à jovem Beatriz!




Riram-se, debochados. Escandalizada tentei apartear:
- Pensais vós nos filhos?



Maquiavel, como se não estivesse ouvindo nossa conversa olha para as nuvens através das folhas, suspira e solta uma de suas ácidas observações:
- A vida como é, está tão distante da vida como deveria ser, que um homem que desiste do que está feito, em prol do que deveria fazer, engendra a sua ruína mais do que a preservação...



Pensativo, completou:



- O príncipe deve ou não praticar o bem, conforme as necessidades. Há dois modos de lutar: com as armas e com as leis, sendo este próprio dos homens e o outro próprio dos animais. Ora o príncipe deve saber usar o animal e a besta que residem dentro de si.




- O que diz meu dileto amigo? Questiona Dante - Que por Beatriz devo lutar como um animal por sua presa? Reconheço não haver maior dor do que a de nos recordarmos dos dias felizes quando estamos na miséria. Em que miséria vivo eu! Meu cofre anda cheio mas de amor está vazio meu lar...




Maquiavel não se poderia omitir ante tal desabafo:
-Não se pode chamar de "valor" assassinar cidadãos, trair amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória. Pensai nisso. A Laura, grande amor de minha vida, escrevo versos porque dela não me julgo digno, não imaginais vós o aperto de meu peito...




Subindo num dos bancos, afastou a capa que lhe caia nos braços dobrando-a sobre o ombro e, num rompante, declamou gesticulando teatralmente



Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
quero morrer, e a morte me apavora.

A dor me apraz, e rio-me, chorando:
não quero a morte, a vida não desejo...
Eis o estado em que estou

Talvez suponham que em louvar aquela
que adoro, eu exagere-lhe o perfil,
dizendo-a entre as demais, alta e gentil,
santa, sábia, graciosa, honesta e bela.

Mas eu sinto o contrário; e temo que ela
despreze o meu louvor por ser eu tão vil,
digna de algo mais alto e mais sutil,
e quem não o acredite venha vê-la.

Aplaudimo-lo em pé. Despedimo-nos ao soar o Angelus no Campanário de Giotto. Fazia-se hora de ao lar retornar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Como deve ouvir o coração, aquela que ouve Dante com as virtudes dessa mulher teologal: Beatriz

'Ó peregrinos, que a cismar passais,
Talvez por coisa que não está presente,
Provindes vós de tão longínqua gente,
Como por vosso aspecto demonstrais,

Que sem nenhum lamento caminhais
No centro da cidade descontente,
Como pessoas que completamente
Alheias fossem aos seus tristes ais?

Se quisesséis parar, para o saber, O suspiro coração me diz
Que sairíeis, certo, a soluçar.

A cidade perdeu sua Beatriz,
E o que a respeito possa alguém dizer
Tem a virtude de fazer chorar".