quinta-feira, 15 de abril de 2010

achados e perdidos (incompleto)

um macacão azul desbotado, um balcão, um sorriso.
esperança é assim.
há 35 anos.
segunda a sexta, horário comercial. sábado, até 13h.
trabalha no achados e perdidos.
conhece tudo o que está lá dentro.
as decepções. os esquecimentos. os abandonos.
rodeada de motivos para lágrimas, raiva, pragas rogadas.
engraçado como tudo isso ganha forma.
um celular, um guarda-chuva, aquele cachecol cinza que tanto adora.
todos os dias, uma novidade. uma nova perda.
uma nova tristeza no balcão da esperança.
chegavam tão abandonadas. sujas. maltratadas.
ela as recebia de braços abertos.
e o sorriso no rosto.
esperança dava banho. carinho. beijo na testa.
há 35 anos era assim.
desencontros e encontros.
mas os proprietários surgiam.
uns instantaneamente. outros, brigados com o tempo, apareciam depois.
mas estavam lá. do outro lado do balcão.
brilho nos olhos. salivando. última chance.
esperança sorria.
a adolescente reencontra o celular.
o guarda-chuva retorna ao braço trêmulo do idoso.
o jovem com a barba por fazer não terá dor de garganta no inverno.
vem e vão.
encontros e desencontros.
esperança sorria.
sempre sorria.
mas, nessas horas, se despedia.
afinal, ao lado de tantas perdas, sempre se sentia viva.
suspirando as histórias que nunca poderiam ser suas.
todas de uma vez, em um breve momento.
antes que fosse tarde demais.
por instantes imensuráveis, era a adolescente com o celular a tiracolo.
ia ligar para o namorado? dar uma boa notícia à mãe? ser o ombro para uma amiga?
o idoso encontrando forças e apoio no guarda-chuva.
caminharia com mais confiança? protegeria alguém quando a chuva caísse? apoiaria as pernas cansadas?
o jovem com frio no pescoço.
tinha um encontro? uma banda para cantar stones? uma declaração de amor a fazer?
quantos achados...
seu balcão conquistava territórios e sonhos feito war, edição de luxo - aliás, tem um ali, no setor de brinquedos.
sem falar no sorriso...
ah, o sorriso...
o macacão azul nem parecia tão desbotado assim.
só que o balcão tem dois lados.
agora, quem perdia era ela.
pra ser sincero, esperança parece sempre perder.
perde e se perde.
mas sorri.
até o fim do expediente.

3 comentários:

Janaina Fainer disse...

q bom te ver por aqui
e q texto delicioso
bjssssssssss

Anônimo disse...

Thiago:
Bom te ver de volta. Vc escreve bem!
Rosa Bertoldi

Rosa Leda disse...

Thiago, encostei o cotovelo nesse balcão e sorri para esperança. Estou apaixonada por ela.