segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O bom ladrão

O desânimo pela falta de trabalho rapidamente desapareceu depois que o telefone tocou. Uma nova encomenda foi pedida e ele saiu para procurar a mercadoria. Rodou durante mais de 40 minutos até encontrar o Monza 94, a álcool, parado próximo à agitada avenida de bares e restaurantes.

Parecia que o carro estava esperando por ele. Quando o viu, os velhos sintomas surgiram e o fizeram sentir-se vivo novamente. O coração passou a bater mais forte e rápido, suas mãos se tornaram úmidas e a garganta secou. Não pôde conter a excitação e disse em voz alta, como se quisesse avisar o carro. “Finalmente chegou sua hora. Logo, deixará de ser essa desprezível lata-velha e sua vida se prolongará em inúmeros outros carros.”

Rapidamente olhou ao seu redor e, com uma agilidade que deixaria seu pai orgulhoso, abriu a porta e deu partida no motor. Sem demora, saiu ,tranqüilamente, rumo à velha oficina onde transformaria a encomenda em dezenas de peças.

Depois de dirigir por alguns minutos, ouviu um barulho que vinha do banco de trás. Não acreditou no que viu! Teve que voltar a cabeça para trás várias vezes e ter a certeza de que sua visão não estava distorcida. Os sintomas de minutos atrás tinham voltado de forma tão intensa, que não podia raciocinar direito. Estava dominado pela surpresa e buscava encontrar uma explicação lógica para o que via. Afinal, nunca, em tantos anos de função, havia “achado” uma criança dormindo tranquilamente no banco de trás de uma encomenda.

“Só levo encomendas!! Não mexo com gente! O que esse moleque está fazendo aqui? Quem foi o filho da mãe que largou o menino aqui?” Estava transtornado, sem saber o que fazer.

Continuou dirigindo por mais 20 minutos, tempo que levou para decidir o que fazer. Imaginou onde poderiam estar os pais da criança. “Além de atrapalharem meu trabalho, são verdadeiros ladrões! Estão roubando a infância do moleque!” Pensava nisso sem parar.

Decidiu que teria que devolver o moleque e, com ele, a encomenda. Isso iria lhe custar caro. Não podia deixar o mercado desabastecido, ainda mais em tempos de crise. “Filhos da mãe!!” Resolveu avisar a polícia. E assim o fez. Queria fazer uma denúncia formal, mas não podia, afinal, não tinha tempo a perder. Discou 190, informando o que havia acontecido, onde encontrar o carro com a criança, e, com energia, “ordenou” que punissem os verdadeiros ladrões, os pais que abandonaram o filho.

Um comentário:

Camilla Tebet disse...

Luciano, eu via notícia na Folha, pena que não foi vc quem escreveu. Assaltante humano esse... e isso, hoje, é de se espantar, não é??