terça-feira, 9 de setembro de 2008

Onde está o Golem de Bauru?

Estou devorando Mestiços da Casa Velha, o mais recente livro do Lucius de Mello e adorando. Mas, como terminei a leitura de O Golem de Praga, vou falar sobre ele. Os dois autores são judeus, cada qual a seu modo e ambos falam sobre xenofobia. Desnecessário apresentar Praga a vocês. Uma cidade linda e devido ao seu espírito liberal conviveu com uma grande comunidade hebraica. O Golem é personagem mitológico. Homem feito de barro, cuja missão era proteger os judeus em momentos de perigo. O livro descreve perseguições, complôs e o jogo sujo, contra membros da comunidade protegida pelos dirigentes de Praga no século XVI.
Isso me fez lembrar de um acontecimento recente ocorrido comigo, em Bauru, e a pergunta natural foi: a xenofobia continua existindo?
Minha experiência com o racismo ocorreu na segunda guerra, pois alguns dos meus parentes desapareceram no campo de Auschwitz. Alguns dirão: guerra é guerra. Depois, presenciei os franceses ridicularizando negros, portugueses e marroquinos, embora eu particularmente não tenha sentido qualquer descriminação como brasileira que sou. Então, comecei a freqüentar uma clínica de estética perto da minha casa. Aconteceu uma confusão, que me fez desistir do tratamento pago antecipadamente. A empresa comprometeu-se a devolver o dinheiro.
Na terceira ida ao local na tentativa de receber, a dona Eugenia, a devedora, a alemã como ela se auto intitulava, para meu assombro olhou-me de maneira superior e disse de forma pejorativa: “seu sobrenome... a senhora é judia?
Respondi: a questão em pauta não é minha ascendência, é a sua divida.
Ela começou a falar de seus processos na justiça e de como se livrar deles, terminando com a frase: “judeus devem para todo mundo.” Posição invertida, a senhora é a caloteira aqui, respondi. O surpreendente foi esse confronto com o racismo aqui no interior de São Paulo. Mas, dia desses conversando com uma amiga, professora universitária, ela confessou ter percebido que após declarar-se neta de judeus, afirmando perante alguns colegas sua tentativa de observância da Lei Judaica e o fato de estar freqüentando uma sinagoga em busca de equilíbrio espiritual, notou uma turbulência em sua vida acadêmica. Uma delas foi sua carga horária total ser transferida para os sábados, acompanhada de outros pequenos incidentes. Disse-me que passou a se perguntar se aquilo poderia ser perseguição religiosa ou xenofobia.
Como canta meu poeta predileto: alguma coisa está fora da ordem... fora da ordem mundial. Supostamente, a sociedade pós-moderna desvinculou-se dos ranços da modernidade. A Constituição Brasileira afirma que racismo é crime. Xenofobia é a aversão a outras raças e culturas. Dito com todas as letras é preconceito racial, grupal ou cultural. Medo... mascarado em forma de ódio. Frases como: negro é inferior, asiático é sujo, mulçumano é violento, judeus praticam libelo de sangue são racistas. E a pior atitude é calar-se. O combate a xenofobia é, também, uma luta contra o silêncio. A educação, tal como é concebida, passa pelo respeito ao outro. Separados por quase cinco séculos, os dois livros falam de racismo em Praga e na Alemanha. Século XVI, XX ou XXI, minha amiga no trabalho, eu em uma clinica de estética, até quando?
Em Praga havia Golem, como um super-herói moderno salvando judeus das armadilhas de seus adversários. Em Lubeck, Thomas Mann, “o filho da negrinha” foi descriminado, narra Lucius de Mello. Ele descendia de mãe brasileira, e nem negra ela era. Tudo sempre igual. São as mil faces do medo em ação nos seres humanos. Medo do que, afinal?

Um comentário:

Camilla Tebet disse...

Medo do diferente? acho que não é só isso não.. além do medo histórico, do preconceito cultural, esse que vem de geração para geração, tem o medo comportamental não tem? O ser humano tem medo do outro ser humano e para justificar esse medo se arma de mil desculpas, uma delas é o preconceito. A diferença de etnia. Um horror, assim como o preconceito CONTRA diferentes classes sociais, diferentes opiniões e estilos de vida. Medo do outro. Quando na verdade, por isso tudo e por muito mais, deveríamos ter medo é de nos mesmos.