quinta-feira, 4 de setembro de 2008

redação

uma redação sobre o amor...
porra, ela só tinha nove anos... ia lá saber o que significava essa palavrinha miúda?
aliás, não entendia por que trinta linhas para uma palavra de quatro letras. ainda mais sobre um assunto que não fazia idéia do que era.
no caminho de volta da escola, resolveu perguntar às pessoas o que era o tal do amor.
-- você é muito jovem, mocinha, diverte-se a velha vendedora de maçãs.
-- nem queira saber, esquiva-se o carroceiro.
-- nunca vi, disse o menininho de seis anos que chutava uma bola de meia.
a gorda lavadeira deu risada, a madame nem olhou na cara, o cachorro do sorveteiro não quis responder... talvez nem um deles soubesse.
ela só tinha nove anos... e já estava de saco cheio dessa coisa de amor.
chegou em casa, grudou no avental da mãe.
-- mãe, o que é o amor?
a mãe estranhou a pergunta, levantou a pequena, deu-lhe um beijo estalado na bochecha e sorriu.
-- é quando você fica sem fôlego.
a menina olhou, olhou e olhou. não conseguiu entender. mas sorriu de volta.
foi para o quarto. deitou na cama e ficou pensando.
de repente, a idéia.
tirou a saia do colégio, colocou uma calça de ginástica. calçou seu tênis. saiu sem avisar.
foi até o campo de uma fazenda perto da sua casa. no horizonte, só grama verde.
respirou fundo. e correu.
correu, correu, correu.
o passo seguinte mais firme do que o anterior.
não ia parar, estava determinada.
o suor escorria pelos olhos. o sol queimava o rostinho branco, ingênuo, puro.
o verde continuava à frente. ela estuprava a distância, mas parecia não chegar nunca a seu destino - se é que existia algum.
Aos poucos, o cansaço começa a rasgar os músculos das pernas.
as costas reclamam. dormência. dor.
de repente, começa a faltar o ar. ao mesmo tempo, nasce um sorriso de satisfação.
-- o amor, o amor, o amor, ela tentou gritar a plenos pulmões.
mas não teve forças.
o solo verde a recebeu de braços abertos. ela nem sentiu a queda.
a boca procurava palavras que só conseguia pensar, mas, não entendia por que, não era capaz de falar.
o pensamento confuso, algo dentro de si que nunca tinha sentido, mas que, estranho, a fazia estar mais viva.
pernas tremendo, mãos suadas, coração acelerado...
rapidamente, uma alegria brota do peito feito brisa da manhã e toma conta da cabeça.
começa a rir. uma risada que mais parecia uma doce canção. nem na mais engraçada piada do pai (e ele era bom em contar piadas), ela ria assim.
sabia que era diferente. sabia que era o amor.
contudo, o ar começou a invadir as narinas novamente.
ela se assustou.
as pernas não tremiam mais. estava voltando a raciocinar.
coração em seu ritmo normal.
a risada desapareceu - levou junto o primo sorriso, sabe-se lá para onde.
nunca esteve com os olhos fechados, mas só agora retornava a enxergar. viu o céu azul. viu uma cabeça raspada e dois olhos negros perplexos.
-- você está bem? pergunta o menino da bola de meia, ajudando a pequena a levantar.
precisava de ajuda mesmo. em um dia, descobrira as alegrias do amor e a dor de vê-lo escorregar pelas mãos feito areia de praia, sem poder fazer nada.
ela tinha apenas nove anos.
e uma redação para escrever antes do jantar.

5 comentários:

Heduardo Kiesse disse...

bela viagem sob e sobre o amor!!

Carolina Sperb disse...

perdi o fôlego quando li seu texto.
perdi completamente o fôlego.

:)

Rosa Bertoldi disse...

A mais bela descrição de amor que eu li. Parabéns.
Rosa

Camilla Tebet disse...

Vc escreve muito... muito.

Janaina Fainer disse...

sensacional
sem palavras
e com saudade de ficar sem solego